Quando minha ex-mulher exigiu que o dinheiro que eu havia guardado para nosso filho falecido fosse dado ao enteado dela, pensei que a dor tivesse abafado minha audição. Mas, ao me sentar em frente a ela e seu marido arrogante, sua audácia clara como cristal, percebi que não se tratava apenas de dinheiro — era sobre defender o legado do meu filho.
Eu me sentei na cama de Peter, o quarto agora silencioso demais. Suas coisas estavam por toda parte. Livros, medalhas, um esboço inacabado que ele deixara na mesa. Peter adorava desenhar quando não estava ocupado lendo ou resolvendo algum problema complicado que fazia minha cabeça girar.
«Você era inteligente demais para mim, garoto,» murmurei, pegando uma moldura de foto da mesa de cabeceira. Era nós dois no seu 16º aniversário. Ele tinha aquele sorriso torto, aquele que ele fazia sempre que achava que estava me superando. E geralmente estava.
Yale. Meu filho entrou em Yale. Ainda não conseguia acreditar nisso às vezes. Mas ele nunca pôde ir. O motorista bêbado se certificou disso. Massageei as têmporas e suspirei. A dor me atingia em ondas, como vinha acontecendo desde novembro. Alguns dias, eu quase conseguia funcionar. Outros, como hoje, ela me engolia por completo.
A batida na porta me trouxe de volta. Susan. Ela havia deixado uma mensagem de voz mais cedo. «Precisamos falar sobre o fundo de Peter,» ela disse. Sua voz era doce, mas sempre muito ensaiada, muito falsa. Eu não a retornei. Mas agora aqui estava ela.
Abri a porta. Ela estava vestida como sempre, mas seus olhos estavam frios.
«Posso entrar?» Susan perguntou, passando por mim antes que eu pudesse responder.
Suspirei e acenei em direção à sala de estar. «Faça rápido.»
Ela se sentou, se acomodando. «Olha,» ela disse, com um tom casual, como se isso não fosse grande coisa. «Sabemos que Peter tinha um fundo para a faculdade.»
Imediatamente soube onde isso estava indo. «Você está brincando, né?»
Susan se inclinou para frente, sorrindo. «Pense bem. O dinheiro está ali parado. Por que não colocá-lo em bom uso? Ryan poderia realmente se beneficiar.»
«Aquele dinheiro era para o Peter,» retruquei. Minha voz subiu antes que eu pudesse impedir. «Não é para o seu enteado.»
Susan deu um suspiro exagerado, balançando a cabeça. «Não seja assim. Ryan também é da família.»
Não conseguia acreditar no que estava ouvindo. «Família? Peter mal o conhecia. Você mal conhecia o Peter.»
O rosto dela ficou vermelho, mas ela não negou. «Vamos nos encontrar para um café amanhã e discutir isso. Você, Jerry e eu.»
A lembrança daquela conversa persistiu enquanto eu me sentava de novo na cama de Peter. Olhei ao redor de seu quarto mais uma vez, meu coração apertando. Como chegamos até aqui?
Peter sempre foi meu para criar. Susan foi embora quando ele tinha 12 anos. Ela não queria a «responsabilidade», como ela mesma disse. «É melhor assim para o Peter», ela disse, como se estivesse fazendo um favor para ambos.
Por anos, foi só eu e Peter. Ele era meu mundo, e eu era o dele. Eu acordava cedo para fazer seu lanche, ajudava-o com a lição de casa depois da escola e me sentava nas arquibancadas torcendo pelos seus jogos. Susan não se importava. Ela mandava um cartão de aniversário, às vezes. Sem presentes, apenas um cartão com o nome dela rabiscado no fundo.
Mas Peter não se importava, ou pelo menos nunca mostrava. Ele adorava a escola e adorava sonhar com o futuro. «Um dia, pai,» ele dizia, «vamos para a Bélgica. Vamos ver os museus, os castelos. E não esquece dos monges da cerveja!»
«Monges da cerveja?» Eu ria. «Você está um pouco novo para isso, não está?»
«É pesquisa,» ele respondia com um sorriso. «Yale vai me adorar.»
E eles adoraram. Lembro do dia em que a carta de aceitação chegou. Ele a abriu na mesa da cozinha, suas mãos tremendo, e então gritou tão alto que achei que os vizinhos iam chamar a polícia. Nunca estive tão orgulhoso.
Foi isso que tornou o verão com Susan e Jerry tão difícil. Peter queria se aproximar deles, mesmo que eu não confiasse nisso. Mas quando ele voltou, estava diferente. Mais quieto. Uma noite, finalmente consegui fazê-lo falar.
«Eles não se importam comigo, pai,» ele disse suavemente. «Jerry disse que eu não sou responsabilidade dele. Eu comi cereal no jantar todas as noites.»
Eu apertei os punhos, mas não disse nada. Não queria piorar a situação para ele. Mas nunca o mandei de volta.
Na manhã seguinte, entrei na cafeteria, localizando-os imediatamente. Susan estava rolando o celular, parecendo entediada. Jerry estava sentado à sua frente, mexendo seu café de forma tão barulhenta que me irritava. Eles nem perceberam minha chegada.
Fiquei em pé perto da mesa deles. «Vamos logo com isso.»
Susan olhou para cima, seu sorriso ensaiado se encaixando no lugar. «Oh, que bom. Você chegou. Sente-se, sente-se.» Ela gesticulou como se estivesse me fazendo um favor.
Eu me sentei na cadeira em frente a eles, sem dizer nada. Queria que fossem eles a falar primeiro.
Jerry se reclinou, seu sorriso arrogante espalhado pelo rosto. «Agradecemos por nos encontrar. Sabemos que isso não é fácil.»
Levantei uma sobrancelha. «Não, não é.»
Susan interveio, seu tom doce como mel. «Só pensamos… que é a coisa certa a fazer, sabe? O fundo de Peter — ele não está sendo usado. E Ryan, bem, ele tem tanto potencial.»
Jerry assentiu, cruzando os braços. «A faculdade é cara, cara. Você, mais do que ninguém, deve entender isso. Por que deixar aquele dinheiro parado quando ele poderia realmente ajudar alguém?»
«Alguém?» Eu repeti, minha voz baixa. «Você quer dizer seu enteado?»
Susan suspirou, como se eu estivesse sendo difícil. «Ryan é da família. Peter teria querido ajudar.»
«Não ouse falar por Peter,» eu retruquei. «Ele mal conhecia Ryan. E não vamos fingir que você se importava com Peter também.»
O rosto de Susan endureceu, seu sorriso vacilando. «Isso não é justo.»
«Não?» Eu me inclinei para frente, mantendo a voz firme. «Vamos falar sobre justiça. Justiça é criar uma criança, estar presente para ela, estar lá quando é preciso. Eu fiz isso por Peter. Você não fez. Você o mandou para mim porque estava ocupada com sua ‘nova família’. E agora acha que tem direito ao legado dele?»
O sorriso de Jerry quebrou por um segundo. Ele se recuperou rápido. «Olha, não se trata de direito. Se trata de fazer o que é certo.»
«O que é certo?» Eu ri amargamente. «Como o verão que Peter passou com vocês? Lembra disso? Quatorze anos, e você nem comprou o jantar para ele. Deixou ele comer cereal enquanto você e Susan comiam bife.»
O rosto de Jerry ficou vermelho, mas ele não disse nada.
«Isso não é verdade,» Susan disse rapidamente, com a voz trêmula. «Você está distorcendo as coisas.»
«Não, não estou,» eu disse com firmeza. «Peter me contou. Ele tentou se conectar com vocês dois. Queria acreditar que vocês se importavam. Mas vocês não se importavam.»
Jerry bateu a xícara de café na mesa. «Você está sendo ridículo. Sabe como é difícil criar um filho nos dias de hoje?»
«Eu sei,» retruquei. «Criei Peter sem um centavo de nenhum de vocês. Então não ouse me dar uma lição.»
A cafeteria ficou em silêncio. As pessoas estavam olhando, mas eu não me importava. Levantei-me, encarando os dois. «Vocês não merecem um centavo daquele fundo. Ele não é de vocês. Nunca será.»
Sem esperar uma resposta, virei as costas e saí.
De volta em casa, sentei-me novamente no quarto de Peter. A confrontação se repetia em minha mente, mas não tornava a dor no meu peito mais leve.
Peguei a foto dele da mesa — aquela de nós dois no aniversário dele. «Eles não entendem, amigo,» disse suavemente. «Nunca entenderam.»
Olhei ao redor do quarto, absorvendo os livros, os desenhos, os pequenos pedaços dele que ainda pareciam tão vivos ali. Meus olhos caíram sobre o mapa da Europa pregado na parede. A Bélgica estava circulada com marcador vermelho brilhante.
«Nós deveríamos ter ido,» sussurrei. «Você e eu. Os museus, os castelos, os monges da cerveja.» Eu ri suavemente, minha voz falhando. «Você realmente planejou tudo.»
A dor no meu peito se aprofundou, mas então algo mudou. Um novo pensamento, uma nova resolução.
Abri meu laptop e entrei na conta do Plano 529. Enquanto eu olhava o saldo, sabia o que precisava fazer. Aquele dinheiro não era para Ryan. Não era para mais ninguém. Era para Peter. Para nós.
«Eu vou fazer isso,» disse em voz alta. «Bélgica. Como dissemos.»
Uma semana depois, eu estava no avião, a foto de Peter guardada com segurança no bolso da minha jaqueta. O assento ao meu lado estava vazio, mas não parecia assim. Apertei o apoio de braço enquanto o avião levantava voo, meu coração batendo forte.
«Espero que esteja aqui comigo, garoto,» sussurrei, olhando para a foto dele.
A viagem foi tudo o que sonhamos. Caminhei por grandes museus, fiquei maravilhado com castelos imponentes e até visitei uma cervejaria administrada por monges. A cada parada, imaginei a empolgação de Peter, seu sorriso torto, suas perguntas sem fim.
Na última noite, sentei-me perto do canal, as luzes da cidade refletindo na água. Tirei a foto de Peter e a segurei em direção à vista.
«Isso é para você,» disse baixinho. «Nós conseguimos.»
Pela primeira vez em meses, a dor no meu peito parecia mais leve. Peter se foi, mas estava comigo. E isso — isso era nosso sonho. Eu não deixaria ninguém tirá-lo de nós.