Quando acordei com o meu marido a murmurar enquanto dormia, pensei que fosse apenas mais um sonho estranho. Mas as suas palavras, «Ela está na minha garagem agora. Podes descer e encontrá-la lá,» fizeram-me gelar e levaram-me a uma descoberta que mudou tudo.
Tudo começou com um sussurro. Estava meio a dormir quando ouvi palavras murmuradas a sair dos lábios de Robert.
«Sim, senhor agente,» disse ele, com a voz mal acima de um murmúrio. «Foi completamente culpa minha. Ela está na minha garagem agora. Podes descer e encontrá-la lá.»
Os meus olhos dispararam abertos.
A princípio, pensei que tivesse ouvido mal. Mas depois, ele virou-se, continuando a murmurar algo incompreensível. O meu coração começou a bater mais rápido. Quem estava na garagem? Do que estava ele a falar?
Robert não era do tipo a guardar segredos. Era gentil, confiável e, bem, previsível. Estávamos casados há cinco anos.
Ele costumava trabalhar como veterinário, mas no ano passado abriu um café 24 horas na cidade vizinha. Era o seu sonho, embora o mantivesse fora de casa até tarde na maioria das noites.
Mais cedo naquela noite, ele enviou-me uma mensagem a dizer que ia chegar tarde e pediu-me para ir dormir sem ele. Isso foi estranho. Ele raramente trabalhava depois da meia-noite. Mas na altura, não pensei muito nisso. Agora, enquanto estava deitada no escuro, as suas palavras pairavam no ar.
Sentei-me na cama e olhei para ele. Ele parecia calmo, o peito a subir e a descer com cada respiração. Talvez eu devesse acordá-lo e perguntar-lhe o que queria dizer. Mas o tom sério das suas palavras, quase culpado, impediu-me.
Saí da cama, com cuidado para não o acordar, e fui a correr até à porta.
O corredor estava silencioso. As sombras estendiam-se pelo chão, e o único som era o leve zumbido do frigorífico lá em baixo. A minha mente corria a mil à hora com várias possibilidades. Será que alguém realmente estava na garagem?
Cheguei ao topo das escadas e parei. A minha mão pousou no corrimão e, por um momento, considerei voltar para a cama. Talvez fosse só um sonho. Mas e se não fosse?
Quando desci as escadas, o ar frio da garagem filtrou-se por baixo da porta, fazendo-me estremecer. Quanto mais me aproximava, mais sentia uma pressão no peito.
A porta da garagem rangeram quando a abri.
Lá dentro, estava mais escuro do que eu esperava. A única lâmpada acima da bancada de trabalho mal iluminava a divisão, projetando longas sombras sobre o chão de cimento.
O carro de Robert estava no meio do espaço, com o capô amassado. O meu fôlego parou.
Aquilo não estava ali ontem.
O ar cheirava ligeiramente a óleo e a algo musgoso e selvagem.
Então, ouvi.
Um som baixo e áspero, como respiração ofegante, vindo do canto mais distante da garagem. O meu corpo congelou e, por um momento, não consegui mexer-me. O som era rítmico, quase como um animal ofegante.
«Olá?» sussurrei, a voz a tremer.
Nenhuma resposta.
Forcei-me a dar um passo em frente. Depois, outro. Os meus pés pareciam de chumbo enquanto me aproximava do canto.
À medida que os meus olhos se ajustaram à fraca luz, vi uma pequena figura sombreada enroscada sobre um monte de cobertores. Não se mexeu de imediato, mas à medida que me aproximei, pude distinguir a sua forma.
Era uma raposa.
O seu pelo avermelhado estava emaranhado e o corpo parecia frágil. Ela levantou a cabeça ligeiramente, os olhos escuros fixando-me. A respiração superficial e difícil que eu tinha ouvido vinha da raposa.
Um alívio invadiu-me. Não era uma pessoa. Mas, de repente, uma nova onda de preocupação surgiu. Porque é que havia uma raposa ferida na minha garagem?
Abaixei-me, com cuidado para não chegar demasiado perto. As orelhas da raposa mexeram-se e ela soltou um suave gemido.
«Coitadinha,» murmurei.
Ela parecia tão fraca, quase não conseguindo manter-se em pé.
Levantei-me e recuei lentamente, a mente cheia de perguntas. Foi então que decidi ir até à cozinha. Talvez um pouco de água a ajudasse. Talvez…
Virei-me para a porta, deixando a raposa no canto, e voltei calmamente para dentro da casa.
Dei-lhe água numa tigela rasa e voltei para a garagem, a mente ainda a rodopiar. Quando virei à esquina para a cozinha, quase deixei cair a tigela.
Robert estava lá, a esfregar os olhos, o cabelo a espetar para todos os lados. «O que é que estás a fazer acordada?» perguntou ele, a voz ainda sonolenta.
Congelei por um segundo, sem saber como começar. «Ah… há uma raposa. Na garagem.»
Os olhos dele arregalaram-se e, por um momento, ele pareceu uma criança apanhada a roubar bolachas. «Viste-a?»
«Ela?» Levantei a sobrancelha. «Robert, o que é que se passa?»
Ele suspirou e apoiou-se no balcão, passando a mão pelo cabelo. «Está bem, está bem. Não stresses. Eu estava a voltar para casa e esta raposa apareceu de repente na estrada. Não a vi a tempo. Atropelei-a.»
«Atropelei-a?» A minha voz subiu. «Com o carro?»
«Sim,» respondeu ele rapidamente, levantando as mãos. «Não foi nada de grave — foi só um toque. Ela ainda estava viva, por isso levei-a à clínica onde eu costumava trabalhar. Eles examinaram-na e disseram que ela ficava bem, mas precisava de ser observada durante uns dias.»
«Robert…» comecei eu, mas ele interrompeu-me.
«Eu sei, eu sei. Tu odeias a ideia de animais dentro de casa. Mas ela não parava de chorar quando tentei deixá-la lá. Não consegui deixá-la. Sabes quanto eu adoro animais.»
Acalmei-me um pouco com o tom dele. Ele parecia tão sincero, tão culpado.
«Porque é que não me contaste?» perguntei, colocando a tigela de água no balcão.
«Não queria acordar-te. E depois pensei que fosse melhor, hum, explicar depois.»
Cruzei os braços. «Então trouxeste-a para casa e decidiste escondê-la na garagem?»
Ele sorriu timidamente. «Entrei em pânico.»
Apesar de mim, dei uma gargalhada. «Entraste em pânico?»
«Sim. E acho que isso explica o sonho estranho com o polícia,» disse ele, coçando a nuca. «Deve ter sido o stress com o dano do carro. No meu sonho, estavam a acusar-me de atropelar uma pessoa!»
Não consegui evitar rir outra vez, abanando a cabeça. «És impossível, Robert.»
Ele aproximou-se, o rosto suavizando. «Desculpa. Mesmo. Eu só não podia deixá-la. Pensei em tratá-la durante uns dias e depois libertá-la. Se quiseres, posso levá-la para outro sítio amanhã.»
Olhei para ele, para a maneira como os ombros dele estavam caídos sob o peso da culpa. «Vamos só garantir que ela está bem por agora. Mas tens uma grande dívida comigo.»
O rosto dele iluminou-se. «Combinado.»
Os dias seguintes foram uma correria para aprender a cuidar de um animal selvagem. Fomos alternando para dar à raposa pequenas porções de comida e garantir que tinha água em abundância. Robert até trouxe um aquecedor antigo para manter a garagem quente para ela.
No início, mantive a distância, deixando Robert tratar da maioria dos cuidados. Mas uma noite, enquanto estava a verificar a raposa, ela levantou a cabeça e fez um som suave, quase agradecido. Derreteu algo dentro de mim.
«Ela gosta de ti,» disse Robert, encostado à porta.
«Talvez,» disse eu, sorrindo.
No final da semana, a raposa estava mais forte. Ela já conseguia ficar de pé e até andar uns passos. Robert e eu sentávamos-nos na garagem, observando enquanto ela explorava com cautela o seu pequeno canto.
«És mesmo boa com ela,» disse-lhe eu, numa noite.
Ele deu de ombros. «Não é nada. Eu… sempre senti uma ligação com os animais, sabes? Eles não esperam muito — só bondade.»
Assenti, percebendo pela primeira vez o quanto o amor dele pelos animais dizia sobre o seu caráter.
Duas semanas depois, chegou a hora de a libertar.
Fomos até à floresta próxima de onde Robert a tinha atropelado, com a raposa encolhida numa caixa no banco de trás. Ela parecia calma. Era como se soubesse o que estava a acontecer.
Quando abrimos a caixa, ela hesitou por um momento antes de sair. Cheirou o ar, depois virou-se para nos olhar.
«Anda,» disse Robert, suavemente.
A raposa deu alguns passos, depois parou. Virou-se e, para minha surpresa, esfregou a cabeça contra a per
na de Robert antes de se lançar para a floresta.
Mordi os lábios para conter as lágrimas. «Ela vai ficar bem, não vai?»
Robert acenou. «Sim. Ela vai ficar bem.»
A partir daquele dia, tornamo-nos habituados a visitar a floresta. Cada vez, a raposa aparecia, saltando pela vegetação para nos cumprimentar. Ela esfregava-se nas nossas pernas, a sua maneira de dizer obrigado.
Olhando para trás, nunca teria imaginado que uma noite sem dormir e um estranho sonho murmurante me levassem a uma ligação com uma raposa selvagem e uma conexão mais profunda com o homem com quem me casei.