«Se seguires com isto, deixas de ser minha filha.» Estas foram as últimas palavras que o meu pai me disse há três anos, antes de fechar a porta, rompendo a nossa relação. Pensei que nunca mais o voltaria a ouvir – até que o seu carro preto apareceu na minha entrada.
Não planeei que a vida seguisse este rumo. Se, há três anos, me dissessem que estaria aqui a escrever isto, afastada do homem que me criou, teria rido na cara de quem me dissesse tal coisa. Naquela altura, o meu mundo era simples. Ou, pelo menos, parecia.
Tudo começou com duas linhas cor-de-rosa. Duas pequenas linhas que mudaram a minha vida para sempre. Tinha 25 anos, trabalhava como arquiteta júnior na cidade e estava apaixonada por Lucas, um carpinteiro de fala mansa de uma pequena aldeia nos arredores.
Lucas não era do tipo que te conquista com grandes gestos. O seu encanto era mais discreto – bilhetes carinhosos escondidos no meu almoço, a forma como se lembrava de cada pequeno detalhe que eu dizia, o calor nos olhos dele quando me olhava. Ele era a minha paz num mundo de caos. E eu tinha a certeza de que o meu pai o iria odiar.
Não me enganei.
Quando disse ao meu pai que estava grávida e que queria casar com o Lucas, senti o meu coração a bater como se quisesse escapar.
Por um momento, parecia que o mundo tinha parado. O meu pai, um homem alto e imponente, com cabelo prateado e olhos afiados e calculistas, ficou apenas a olhar para mim. Sem gritos, sem portas a bater. Apenas um longo e pesado silêncio. A sua expressão era indecifrável, o que de alguma forma tornava tudo pior.
Finalmente, falou, com a voz calma, mas mais fria do que alguma vez tinha ouvido. «Se seguires com isto, deixas de ser minha filha.»
Pisquei os olhos, sem saber se tinha ouvido bem. «O quê? Pai, não estás a falar a sério—»
«Estou.» As palavras dele eram de gelo. «Estás a cometer um erro, Lily. Aquele rapaz não tem nada para te oferecer. Nem dinheiro, nem futuro. Estás a deitar a tua vida fora.»
«Ele não é ‘aquele rapaz’.» A minha voz tremia, mas continuei. «O Lucas é bondoso. Trabalha arduamente. Ele ama-me, Pai. Isso não é suficiente?»
O olhar do meu pai endureceu. «O amor não paga contas. Não garante um legado. Eduquei-te melhor do que isso.»
Senti as lágrimas a picar, mas recusei-me a chorar. «Educaste-me para lutar por mim mesma. Para lutar pelo que importa. O Lucas e eu estamos a começar uma família, Pai. Gostava que conseguisses ver isso.»
Ele não respondeu. Em vez disso, virou-se, foi para o escritório e fechou a porta. Foi só isso. Sem despedidas. Sem um «vou sentir a tua falta.» Apenas silêncio.
Nessa noite, fiz as malas, deixei a casa que tinha sido o meu lar desde que nasci, e fui viver com o Lucas. Quanto ao meu pai, cortou todos os laços.
Durante meses, a raiva consumiu-me. Como pôde? Como pôde o meu pai, o homem que me costumava aconchegar na cama todas as noites e trançar o meu cabelo antes da escola, abandonar-me só porque me apaixonei por alguém que ele considerava indigno?
Chorei até adormecer mais vezes do que consigo contar, mas a vida não esperou que eu sarasse. A vida com o Lucas exigia toda a força que eu tinha.
A casa pequena dele parecia uma caixa de sapatos, especialmente quando a minha barriga começou a crescer. «Eu sei que não é muito,» dizia Lucas, com a voz carregada de culpa. «Mas vamos conseguir.»
E tentámos. Ele aceitou todos os trabalhos que conseguiu encontrar, desde reparar cercas até construir armários de cozinha. Eu fazia o que podia, embora estar grávida de gémeos – ou assim pensávamos – me deixasse exausta na maioria dos dias.
Quando os gémeos afinal eram trigémeos, quase desmaiei na sala de parto. O Lucas parecia igualmente aterrorizado, mas conseguiu murmurar: «Acho que somos superdotados.»
As noites sem dormir tornaram-se a nossa norma. Partilhávamos todos os medos – como pagaríamos as fraldas, se a eletricidade se manteria ligada, se estávamos a falhar como pais. Também houve discussões, fruto da exaustão e do stress, mas o Lucas nunca vacilou. Ele embalava um bebé enquanto acalmava outro e ainda arranjava forma de me beijar a testa.
Devagar, as coisas começaram a mudar. A habilidade de carpintaria do Lucas chamou a atenção de um empresário local que lhe encomendou um grande projeto. A notícia espalhou-se, e em pouco tempo não conseguíamos acompanhar os pedidos.
Comecei a gerir os livros e as finanças. Quando os trigémeos fizeram dois anos, a nossa vida, antes tão apertada, transformou-se. Comprámos uma casa modesta, um carro em segunda mão, e pela primeira vez, sentia que conseguíamos respirar.
Então, veio a chamada.
«Lily,» a voz do meu pai cortou o silêncio. Era mais cortante do que me lembrava. «Ouvi dizer que tens filhos agora.»
A minha garganta apertou. «Sim. Três.»
«Estarei aí amanhã,» disse friamente. «Tu e as crianças merecem uma vida melhor. Estou a dar-te uma oportunidade de voltares. Se disseres que não… é um adeus definitivo.»
Quando desliguei o telefone, senti uma mistura de receio e antecipação. O meu pai estava a caminho. O homem que me virou as costas, que não me ligou uma única vez em três anos, estava de repente a querer entrar na minha vida. Porquê agora?
Na manhã seguinte, o carro preto dele entrou na nossa entrada de gravilha, parecendo deslocado no cenário da nossa casa modesta. Ele saiu, vestindo um fato sob medida, como os que eu o via usar quando era pequena. A visão dele trouxe um nó à minha garganta, mas engoli-o. Este não era o momento para fraquezas.
«Pai,» disse, esforçando-me por soar educada ao abrir a porta.
«Lily,» respondeu, com a voz tão formal como sempre. Sem calor, sem reconhecimento dos anos perdidos.
O Lucas apareceu ao meu lado, com a mão pousada levemente nas minhas costas, um gesto silencioso de apoio. Os olhos do meu pai fixaram-se nele, pararam brevemente, e depois voltaram-se para a casa atrás de nós.
«Posso entrar?» perguntou, embora fosse mais uma afirmação do que uma pergunta.
Afastei-me, deixando-o entrar. Ele caminhou lentamente, inspecionando tudo como se fosse um juiz de algum programa de televisão. O seu olhar deteve-se no soalho de madeira que o Lucas tinha instalado, nas fotos de família alinhadas nas paredes, e no canto onde os brinquedos dos trigémeos estavam arrumados. O seu rosto era indecifrável, mas o silêncio era ensurdecedor.
Depois virou-se para mim, abanando a cabeça. «Oh, não! O que fizeste?» A voz dele falhou, o desespero era inconfundível. «Vocês não estão a lutar!»
Pisquei os olhos, apanhada de surpresa. «Não, não estamos,» respondi, com um tom firme. «Construímos uma boa vida aqui.»
Ele olhou para mim, com a mandíbula tensa. «Poderias ter tido mais. Ainda podes. Vem comigo, Lily. Traz as crianças. Posso dar-lhes oportunidades que nunca conseguirás oferecer.»
A mão do Lucas tensionou-se nas minhas costas, mas mantive-me firme. «Eles já têm tudo o que precisam. Amor, estabilidade e pais que trabalharam arduamente para construir um lar para eles. Não precisamos de mais nada.»
O rosto do meu pai endureceu. «Vais arrepender-te disto,» disse friamente. Mas havia algo mais ali também—dor.
O rosto do meu pai escureceu enquanto as minhas palavras ecoavam no ar. Sem dizer mais nada, virou-se nos calcanhares e saiu a passos largos. Fiquei imóvel, a vê-lo marchar até ao carro. Ele abriu a porta e atirou-se para o assento do condutor, batendo a porta com força.
Esperei pelo rugir do motor, para que arrancasse e desaparecesse novamente. Mas o carro não se mexeu. Os minutos passaram, depois uma hora, e outra. Da janela, conseguia vê-lo pelo para-brisas, com a cabeça entre as mãos. Ele não parecia zangado. Parecia… destroçado.
«O que é que ele está a fazer?» perguntou o Lucas suavemente, parado ao meu lado com um dos trigémeos ao colo.
«Não sei,» murmurei.
O sol foi descendo, lançando um brilho dourado sobre o quintal. Finalmente, após três longas horas, o meu pai saiu do carro. Caminhou devagar, com os ombros curvados de uma forma que nunca tinha visto antes. Quando chegou à porta, hesitou, a mão pairando sobre a madeira antes de finalmente bater.
Abri a porta para um homem que em nada se parecia com o pai com quem cresci. O rosto dele estava marcado por lágrimas, os olhos vermelhos e inchados.
«Estava errado,» disse, a voz a tremer. «Pensei que te estava a proteger, mas só te afastei de mim.»
Engoli em seco, tentando conter as minhas próprias lágrimas. «Pai…»
«Pensei que estavas a deitar a tua vida fora,» continuou, a voz a falhar. «Mas estava cego. Construíste algo lindo, algo de que deveria ter-me orgulhado desde o início.»
E então ele quebrou. O homem que sempre me pareceu maior do que a vida desmoronou-se à minha frente, a soluçar de uma forma que nunca imaginei. Sem pensar, estendi os braços e abracei-o.
«Tive saudades tuas,» murmurei.
Pela primeira vez em anos, conversámos. Conversámos mesmo. Ele pediu desculpa – vezes sem conta – pelo orgulho, pelos erros, pelos anos que perdemos. E eu perdoei-o.
Quando os trigémeos entraram a cambalear, a rir e curiosos, ele ajoelhou-se, com os olhos arregalados de admiração. «Olá,» disse, a voz carregada de emoção.
«Avô?» perguntou um deles, e ele acenou com a cabeça, com as lágrimas a caírem livremente.
«Sim,» disse com a voz embargada, sorrindo entre os soluços. «O avô está aqui agora.»