Em vez disso, a traição veio com um sorriso. Com um abraço. Com a promessa de amizade.
Meu nome é Kera. Tenho vinte e oito anos e tudo o que tenho agora, eu construí do nada.
Fui deixada em um orfanato quando era bebê. Não havia bilhete, nem explicação. Nada. Apenas uma menina abandonada que cresceu pulando de um lar adotivo para outro, aprendendo que, embora as pessoas quisessem ser gentis, a única pessoa em quem realmente podia confiar era ela mesma.
Até que conheci Sam.
Nos encontramos quando tínhamos oito anos, duas crianças sem família, agarrando-se uma à outra como se fôssemos salva-vidas. Aprendemos a cozinhar juntas, invadindo a cozinha do orfanato à noite para roubar pasta de amendoim ou testar receitas que víamos na TV.
Sonhávamos em nos tornar chefs, em ter nosso próprio restaurante um dia.
«Um dia, Kera», disse Sam. «Um dia, teremos cozinhas enormes e muito dinheiro! E poderemos comprar toda a comida que quisermos.»
«Eu sei», respondi, sorrindo.
Era bom sonhar. Era bom ter algo pelo que esperar. Ver um futuro maior do que jamais pensamos que poderíamos ter.
E trabalhamos para isso.
Entramos na escola de gastronomia com bolsas de estudo e esperanças. E, surpreendentemente, nos formamos no topo da nossa turma. Prosperamos com criatividade e paixão. Nos dias em que pensávamos em desistir, persistíamos. Empurrávamos uma à outra, e se caíssemos, cairíamos juntas.
«Sempre estarei aqui, Sammy», disse a ela um dia depois de acabarmos no pronto-socorro.
Sam tinha sido entusiasmada demais ao cortar ervas e teve um incidente com a faca.
«Eu sei, K,» ela disse, sorrindo sob o efeito dos analgésicos. «É juntas ou nada, né, mana?»
Eventualmente, conseguimos empregos em um dos melhores restaurantes da cidade. Não sabíamos como a sorte continuava sorrindo para nós, mas éramos gratas por isso.
Lado a lado, Sam e eu subimos na hierarquia, provando nosso valor no mundo brutal e de alta pressão das cozinhas profissionais.
Então, quando a posição de chef principal abriu, éramos as duas melhores candidatas.
Naquele dia, após o anúncio, Sam me puxou de lado.
«Não importa o que aconteça, não vamos deixar isso arruinar nossa amizade, ok?» ela disse, apertando minha mão.
Sorri.
«Claro», respondi. «Nada muda. Mas estou morrendo de fome. Vamos comer algo no nosso intervalo. Um cheeseburger gorduroso daquele lugar na esquina parece perfeito.»
Ela sorriu de volta, mas havia algo… estranho. Um alívio exagerado em sua voz, como se já soubesse como isso terminaria.
«Claro», disse ela. «Nos encontramos lá. Preciso fazer algo antes. Comprar um remédio, sabe.»
Ignorei a sensação ruim. Sam era minha melhor amiga, afinal.
Mas eu não deveria ter ignorado. O primeiro sinal preocupante foi quando Sam não apareceu para o almoço no nosso intervalo. Ela simplesmente não apareceu.
Naquela noite, após o serviço de jantar, eu estava limpando minha estação quando nosso chefe, Chef Reynard, entrou na cozinha como uma tempestade. Seu rosto era uma máscara de pedra, seus olhos azuis afiados travados em mim.
«Eu não esperava isso de você, Kera!» ele trovejou. «Pensei que você fosse melhor…»
O silêncio caiu. Toda a equipe congelou, talheres caindo, conversas morrendo no meio da frase.
«Chef?» engoli em seco.
Ele se virou para a sala.
«Todos, para a sala de descanso. Agora!»
O peso das palavras dele afundou no meu estômago como chumbo. Algo estava muito, muito errado. O que ele queria dizer com isso?
Nos reunimos, confusos, trocando olhares nervosos. Chef Reynard ficou à frente, braços cruzados, expressão indecifrável.
«Esta noite, durante a checagem de estoque, algo foi encontrado», disse ele. «Caviar negro roubado. Na bolsa da Kera.»
Parei de respirar. Meu corpo suou frio. Fiquei tonta.
Minha bolsa?
Meu estômago se contorceu em cem nós.
«Isso é impossível!» eu ofeguei.
Chef Reynard não reagiu.
«Anunciei hoje mais cedo que faria uma inspeção. Alguém tem roubado da minha cozinha.»
Seus olhos eram afiados, escaneando a sala.
«E esta noite… encontrei isto.»
Ele ergueu um pequeno frasco de vidro de caviar, do tipo que só usávamos para clientes VIP que pediam bebidas de alto nível como se fosse nada.
Eu encarei o frasco como se fosse uma cobra, pronta para atacar.
«Eu não peguei isso», eu disse, minha voz rouca. «Juro pela minha vida, Chef. Eu nunca… nunca arriscaria minha posição aqui!»
«Então, Kera, como isso foi parar na sua bolsa?» Sua voz era calma, mas firme.
Abri a boca, depois a fechei. Eu não tinha resposta.
Sam estava sentada ao meu lado, as mãos cruzadas no colo. Ela não me olhava nos olhos. Não oferecia um sorriso encorajador. Nem um aperto de mão.
Um sentimento doentio se revirava no meu peito.
Chef Reynard suspirou.
«Me diga por que eu não deveria demiti-la agora.»
Meu coração parou.
Eu olhei ao redor da sala, para meus colegas de trabalho, para as pessoas com quem trabalhei por anos. Alguns pareciam céticos. Outros, decepcionados.
Mas Sam?
Ela apenas ficou lá. Em silêncio.
Foi aí que eu soube.
Ela sabia da inspeção. Ela fez isso.
E então, Chef Reynard pegou uma lanterna ultravioleta do bolso.
«Há uma medida de segurança», disse ele, ligando a luz. «Todos os frascos de caviar foram marcados com uma tinta invisível, que deixa resíduos em quem os toca. Então, quem pegou este frasco terá essa marca nas mãos.»
O ambiente ficou tenso.
Um a um, estendemos os braços.
Nada.
Nada.
Nada.
Então…
Uma luz azul fraca apareceu nos dedos de alguém.
O mundo girou.
Sam.
A mancha brilhava em sua pele. Era inconfundível.
«Você armou para ela?» Chef Reynard perguntou, incrédulo.
Ela tentou argumentar, mas não havia mais nada que pudesse dizer.
«Vá embora, Sam.»
Ela saiu, furiosa.
Eu ainda estava tremendo.
«Kera», Chef Reynard disse.
Ele deslizou um contrato na minha frente.
«Você conquistou esse lugar», ele disse. «Você é a nova chef principal.»
Assinei meu nome.
Quando voltei para casa, Sam já tinha ido embora.
«Nós somos melhores sem ela», disse Jenna, minha colega de quarto.
Talvez ela estivesse certa.
Talvez eu estivesse melhor sem Sam.