**Marina acordou com barulhos vindos de cima — alguém estava arrastando móveis com força demais. Um cachorro começou a latir de novo atrás da parede, e o vento de março bateu na janela como se fosse de propósito. Ela ficou deitada por muito tempo, torcendo para que o dia não começasse.**
O corredor estava frio. Ela vestiu o moletom de Alexey, que ele tinha esquecido no cabide em dezembro, e caminhou lentamente pelo apartamento. Tudo estava em seu lugar.
A campainha tocou de repente. Ela nem entendeu de imediato de onde vinha o som. Olhou no relógio — 9h15. Um entregador? Vizinhos?
Uma mulher estava na porta. Jovem, vestida de forma chamativa para aquela manhã, com batom brilhante e olhos pesadamente delineados. Em uma mão — um celular; na outra — chaves com um chaveiro rosa.
— Oi. Com licença, quem é você? — Marina apertou os olhos, sem entender por que aquela estranha estava sorrindo para ela.
— Ah, você ainda está aqui? Achei que o Alexey já tivesse resolvido tudo — disse a mulher, ajeitando a gola do trench coat e se aproximando, como se fosse entrar.
Marina instintivamente bloqueou a entrada.
— Eu moro aqui. E você?
— Alya. Bom, Alexandra oficialmente. Eu sou… noiva dele. O Alexey, sabe? Ele te contou? Vamos morar aqui agora. Ele passou o apartamento pro nome dele há um ano.
Um turbilhão de pensamentos passou pela cabeça de Marina.
— Não — ela exalou, sem acreditar no que ouvira. — O Alexey não me contou nada. Nós… ainda somos casados.
Alya deu de ombros, como se não fosse nada.
— Ah, isso é só uma formalidade. Ele já entrou com os papéis, disse que você não se importava. Não quis ser indelicada, só achei que você já tivesse se mudado.
Marina deu um passo para trás. A cena parecia teatral, mal encenada, mas a peça acontecia no seu próprio palco, na sua casa.
— Por favor, vá embora.
— Eu não queria causar conflitos — Alya avançou de novo — minhas mãos estão congelando, e não entendo por que ele não fez tudo como prometeu.
Marina bateu a porta bem na frente do rosto dela. Seu coração disparava como se tivesse corrido uma maratona. Alguns minutos depois, chegou uma mensagem no celular. Era do Alexey. Ele dizia que estaria lá em uma hora. Pedia para conversarem com calma.
Alexey chegou quarenta minutos depois, sem avisar, como se temesse que ela mudasse de ideia e não abrisse a porta. Entrou no corredor como se ainda fosse o dono do lugar. Estava usando a jaqueta que Marina lhe dera de aniversário dois anos antes. Ela tinha ficado no armário o tempo todo, mas agora cheirava a outro perfume.
— Podemos conversar com calma? — ele parou perto da mesa onde antes ficavam suas fotos. Agora, só havia o controle remoto da TV.
Marina estava de costas para ele, olhando pela janela.
— Vai se casar com ela? — perguntou em voz baixa.
Alexey assentiu devagar, como se não fosse um casamento, mas uma viagem de negócios.
— Não achei que tudo fosse coincidir assim. Você sabe, as coisas entre nós não estavam bem há muito tempo. Só estávamos vivendo lado a lado.
— Eu morava aqui. Limpava, acordava com você. Não ao seu lado. Com você. E você ficou calado esse tempo todo.
— Eu queria dizer algo, mas tive medo da sua reação. Você é sempre tão… tempestuosa. E agora eu quero paz.
Marina se virou. Seus olhos estavam secos, mas sua voz era de aço.
— Então vá atrás da sua paz. Eu vou sair. Hoje.
Duas horas depois, ela já estava de pé na escada do prédio da mãe. Um prédio antigo, quarto andar, o elevador travado entre o segundo e o terceiro. A mãe abriu a porta sem perguntar nada. Abraçou-a forte por um segundo e depois foi colocar uma panela no fogo.
Marina entrou no antigo quarto. Papel de parede com flores desbotadas, um hipopótamo de pelúcia no parapeito, uma estante com cadernos e diplomas. Foi ali que chorou por um menino pela primeira vez. Ali decidiu ser estilista. Ali escondeu cigarros da mãe — que nunca conseguiu aprender a fumar.
À noite, ela saiu. O parque atrás do prédio mal tinha mudado. O mesmo banco debaixo da bétula onde aposentados discutiam o tempo, e o vendedor de shawarma que nunca tinha troco. Sentou-se na ponta do banco e observou as pessoas. Alguns passavam apressados com sacolas, outros com crianças. Entre eles, um homem de jaqueta preta com capuz parou ao passar.
— Marina? Você é a Marina, né? Trabalhamos juntos numa sessão de fotos dois anos atrás. Sou o Maxim, fotógrafo.
Ele sentou ao lado dela, tirou o capuz. O cabelo estava um pouco bagunçado e olheiras marcavam o rosto de quem dormiu pouco.
— Te reconheci na hora. Você usava um lenço verde, lembra? Discutimos se combinava com o casaco da maquiadora.
Marina sorriu levemente. Lembrou-se da sala clara, do cheiro de spray de cabelo e do ruído suave dos secadores.
— Sim. Lembro. Você estava fotografando um catálogo.
Maxim assentiu, tirando um caderno da mochila.
— Estou lançando um projeto novo. Procurando uma estilista. Alguém que saiba trabalhar com cor, não só juntar roupas. Você tinha um toque leve.
Marina olhou para ele. Não era um salvador, nem um cavaleiro — só alguém que a lembrava de que ela tinha algo só dela. Ela assentiu lentamente.
— Me liga amanhã. Eu vou pensar.
Marina ficou no espaço onde antes vendiam flores. O teto era alto, janelas quase do chão ao teto, tinta descascando nas paredes. Era ali, numa antiga loja na esquina perto do metrô, que ela decidiu montar seu estúdio. Maxim, o mesmo fotógrafo do parque, insistiu para ela conhecer o dono. O espaço era alugado por um conhecido dele e, segundo Maxim, o preço era “razoável, especialmente se você quiser reencontrar sua voz”. Marina não entendeu bem o que ele quis dizer, mas não perguntou.
— Isso tudo precisa ser derrubado — ela disse, andando pelos velhos balcões. — A iluminação é péssima. A fiação parece dos anos noventa.
— Mas o lugar tem alma — respondeu Maxim, sentado no parapeito largo da janela. — E você nem percebe como está avançando. Isso é o principal.
No dia seguinte, se encontraram em outro local — um estúdio onde ele fotografava retratos para uma nova revista online. A sala era ampla, com paredes brancas e softboxes nos cantos. Marina segurava uma paleta de tecidos, escolhendo looks para a modelo. Uma menina de oito anos, cacheada, com uma mochila de unicórnio entrou na sala. Atrás dela, um homem de postura levemente curvada e voz calorosa.
— Desculpa incomodar — disse ele, estendendo a mão. — Meu nome é Andrey, sou amigo do Maxim. Esta é minha filha, Tasya. Queremos tirar uma foto para a avó. O aniversário dela é semana que vem.
Marina sorriu. Tasya observava suas mãos manchadas de tinta de tecido e de repente perguntou:
— É você quem escolhe quem usa qual cor?
— Quase sempre — respondeu Marina. — Às vezes a própria cor te diz para quem ela serve.
Andrey ficou na sala enquanto elas experimentavam lenços e laços. Marina explicava como posar para uma luz mais suave, até que notou Tasya rindo de repente. A menina se viu no espelho e disse:
— Estou parecendo uma atriz. Igual aos filmes.
Depois da sessão, foram para o corredor. Andrey entregou uma sacola a Marina.
— É meio estranho, mas a Tasya te desenhou. Ela disse que você parece uma artista que não tem pincéis nas mãos, mas ainda assim pinta quadros.
Marina abriu o papel e viu linhas coloridas, uma figura com cabelos soltos e olhos grandes. E no meio, uma inscrição com letra infantil: “Marina. Boa. Com magia.”
Mais tarde, voltando ao espaço da antiga floricultura, Marina notou uma placa no prédio em frente. Dizia “Alya e Parceiros — Imobiliária”. O nome ficou gravado de imediato.
Ela não atravessou a rua. Em vez disso, entrou na sua sala ainda vazia, sentou-se no parapeito e abriu o celular. Um novo pedido da mãe de uma colega de classe, um convite para uma oficina, e uma mensagem de Maxim.
**“Sessão amanhã com um designer jovem. Ele pediu você. Você é a musa dele.”**
Dentro da antiga loja de flores, o cheiro de tinta fresca ainda pairava. Marina estava em cima de uma escada, parafuzando os últimos ganchos para pendurar tecidos. Maxim ia e voltava com rolos de papel, enquanto Tasya — a menina da sessão anterior — desenhava no canto com marcadores e folhas novas. O estúdio ia se transformando. A placa que Marina mesma pintou já enfeitava a janela — “Clareza”.
— Isso significa algo pra você? — perguntou Maxim, trazendo um banco e sentando à frente dela.
— Sim — respondeu Marina, alisando o tecido. — Em um momento, tudo ficou borrado. Eu parei de ver quem eu era, onde eu estava, por que vivia do jeito que vivia. Depois, tudo ficou claro. Não de uma vez. Mas ficou.
Nesse momento, a porta se abriu com força. Uma mulher de terno, maquiagem completa, celular no ouvido, entrou. A mesma Alya que um dia esteve na porta do apartamento de Marina dizendo que ia morar lá agora. Atrás dela vinha Alexey. Andava devagar, um pouco afastado, como se nem soubesse por que tinha vindo.
— Estamos interrompendo? — a voz de Alya era educada, mas com um tom metálico.
Marina desceu da escada, limpou as mãos. Maxim se afastou, deixando claro que não pretendia se meter.
— Vi a placa — continuou Alya, olhando as paredes. — Estamos abrindo um escritório de interiores aqui perto. Queríamos saber quem você era. Vai que vira concorrência.
Alexey permanecia calado, o olhar deslizando pelo chão, pela janela, pela tinta nas paredes — sem nunca encontrar os olhos de Marina.
— Este é meu estúdio — disse ela calmamente. — Aqui é styling, projetos visuais, trabalho com imagem pessoal. Não acho que nossos caminhos se cruzem.
— Mesmo assim, engraçado — Alya sorriu. — Você ficou tão ativa… Eu demorei mais para superar o divórcio.
Maxim se aproximou. Colocou uma pilha de papéis no balcão e fez sinal para Marina seguir adiante, não se prender àquela cena.
— Se terminaram, vamos começar a sessão — disse. — Temos cronograma.
Alya assentiu e saiu sem se despedir. Alexey ficou na porta. Só depois que ela saiu, ele se aproximou.
— Não achei que você conseguiria — disse. — Incrível o que você fez.
Marina o olhou e viu um homem que um dia foi próximo, mas agora parecia transparente, como um desenho em vidro, através do qual se vê a vida de um estranho.
— Eu sempre soube — ela respondeu. — Você é que unca perguntou o que eu queria.
Alexey saiu sem olhar para trás. O estúdio ficou quieto novamente. Tasya correu até Marina segurando um novo desenho.
— É você — disse ela. — Mas agora com asas.
Maxim sorriu, acendendo as luzes. Os primeiros clientes começaram a chegar. E Marina, parada no meio do estúdio, percebeu que, desta vez, no quadro, era ela. Real. Não o fundo de alguém, não um reflexo, não uma sombra. Mas o papel principal na própria vida.