Katya levantou-se de repente, estremecendo o corpo todo.
O sofá velho rangeu de forma lamentosa, protestando contra o movimento brusco. A garota lançou um olhar apreensivo — tomara que não se desmanchasse de vez. Depois, observou as paredes ao redor. O inverno avançava impiedosamente, e ela não tinha a menor ideia do que fazer a seguir.
Ela deixara a vila natal a pedido do padrasto. Segundo ele, Katya se tornara uma “mácula” na reputação da família porque, após a morte da mãe, perdera a capacidade de falar. Ele disse:
— Agora quem vai explicar a todo mundo que você não nasceu muda? E eu ainda tenho três filhas para casar. Que diferença faz ter alguém “falhada” no meio da linhagem!
E, de fato, Katya há muito queria partir. A convivência em casa tornara-se insuportável. Mas na cidade surgiu novo infortúnio: junto com os documentos e o dinheiro desapareceram todas as chances de recomeçar. Ela foi até a repartição — para explicar, pedir ajuda. Mas do seu peito saíam apenas ruídos roucos. Levaram-na por bêbada. A empurraram para fora sem aviso.
O primeiro mês foi uma verdadeira luta pela sobrevivência. Katya não sabia pedir ajuda. O orgulho mantinha sua postura ereta mesmo quando as pernas fraquejavam. Houve um momento em que ela simplesmente encostou a testa no chão ao lado de um portão alheio e decidiu: basta. Melhor morrer ali do que se humilhar todo dia.
Foi ali que ela foi encontrada por Malvina.
Essa mulher era lenda no bairro. A verdadeira rainha da rua. Os desabrigados a respeitavam sem questionar, e quem ousasse discutir, recebia um nocaute — ela tinha força e porte. Por muito tempo, ficou em silêncio observando Katya, até se aproximar.
— Ei, o que tá aí caída? Aqui é meu território!
Katya nada disse, fitando o chão.
— É muda?
A garota ergueu os olhos e assentiu.
— Sabia. Então por que está deitada? Vai esperar morrer bonitinha?
Katya assentiu de novo.
— Maluca. Levanta. Vem comigo.
Ela obedeceu e seguiu a mulher até um porão velho. Lá dentro havia camas, uma ou duas mesinhas — nada de luxo, mas mais confortável do que ela imaginara. Malvina ofereceu um banquete. Katya arregalou os olhos: “Meu Deus, como vivem os mendigos… e é quase normal!”
A mulher serviu chá quente e entregou um caderno e um lápis:
— Come. E escreve tudo que você souber. Já que tá no meu território, eu preciso saber tudo sobre você. Cada detalhe.
Katya assentiu e resolveu passar a noite ali. Exausta, com fome, logo pegou no sono. Malvina mandou que descansasse e, pela manhã, a levou até uma casinha miúda.
— Aqui, vai se ajeitando. Na rua não dá pra sobreviver. Aqui você vai ajudar — mostrar jazigos, cuidar deles. Vão pagar — pouco, mas dá pra viver. E no cemitério sempre aparece um serviço. Se alguém quiser te fazer mal — já sabe onde me achar. Vem que a gente resolve. É isso.
Malvina virou-se e foi embora sem olhar para trás.
Já faziam dois meses desde que Katya recebera aquela casinha. Era antiga — antes, pertencia a um vigia, até a vaga ser extinta. Agora, era seu cantinho, embora meio destruído. As senhoras do bairro contaram que antes outros viviam ali, e que agora era a vez de Katya.
Ela buscou água num balde, deu uns golinhos. Os pesadelos haviam sumido há muito. Mas hoje… voltaram.
Cinco anos antes, tudo começara na cidade. Katya foi tentar entrar numa escola técnica com a amiga Svetka. Depois da primeira prova, ficaram hospedadas na pensão para não se atrasarem para a próxima.
À noite, Svetka sugeriu um passeio:
— Katya, vamos dar uma volta, ver a cidade. Você tem cara de quem se sente deslocada!
— Tô com medo…
— Medo de quê? Vamos só ver as luzes da cidade!
Mas naquela noite quase perdeu mais que a voz.
Na orla, um trio de bêbados apareceu. Svetka se apavorou primeiro — e saiu correndo tão rápido que nem olhou para trás. Cercaram Katya. Ela tentou se afastar, mas foi pressionada por todos os lados. Tiraram seu casaco e ela não conseguiu gritar. Nenhum som. Só desespero silencioso.
E então apareceu ele. Um rapaz. Jovem, confiante. Chegou na confusão como um furacão e começou a lutar contra eles. Katya ficou parada, petrificada, até que ele devolveu seu casaco.
— Vista — disse ele calmamente.
Ela levantou o casaco, apesar dos botões estarem rasgados. Os agressores gritavam de dor no chão. Ele a pegou pelo cotovelo.
— De tecido?
Ela assentiu.
— Então vamos, eu te acompanho.
Eles quase chegaram à pensão quando ela começou a tremer. Primeiro leve, depois mais intensa… Lágrimas rolaram. O corpo sacudia, como em febre. O homem suspirou fundo.
— Pois é, aqui está — pensou Katya — e eu esperando o ataque…
Mas o choro cessou, como se todo medo tivesse sido expelido.
O homem olhou-a com atenção e perguntou:
— Como você se chama?
Katya abriu a boca… só saiu um som rouco. Ela olhou para ele apavorada e tentou falar — nada. Apenas um som fraco. Mais um muro entre ela e o mundo.
— Entendi… — falou ele, pensativo. — Então vá descansar. Deve passar até amanhã. Se não, procure um médico. Deu pra entender?
Katya assentiu. Ele sorriu num esforço:
— Vai melhorar. Não se preocupe.
Ele se virou e sumiu na escuridão. Katya entrou na pensão. Svetka já estava no quarto. Olhando para ela, lançou um olhar curto, quase indiferente.
— Por que não fugiu comigo?
Katya encarou-a em silêncio. Svetka desviou o olhar:
— Isso mudaria algo? Se tivéssemos fugido juntas, talvez não fosse diferente. Pelo menos assim você ficou inteira.
A garota se virou devagar para a cama e encostou o rosto na parede.
Pela manhã, não veio o que ela esperava. A voz não retornou. Perdera a prova, expulsaram-na da sala com ordens de sair também da pensão. Não explicaram nada. Simplesmente – “é o procedimento”.
No sonho, Katya viu o céu clarear. Ela sabia: se no sonho homens a cercavam novamente, o perigo estava próximo. Às vezes não pra ela, mas certamente muito perto.
Assim que o sol nasceu, ela pegou um balde, uma enxada, uma pá pequena e sacos de lixo. Foi ao local onde ontem limpou. Lavou túmulos, limpei o chão e as alamedas, mesmo as que ninguém tinha pedido. Pensava: se o destino me trouxe aqui, que seja limpo e bonito. Algo que dignificasse minha vida.
As senhoras que vinham prestar homenagens notaram a mudança. Trouxeram comida, às vezes dinheiro, e uma vez até roupas quentes. Inestimável — as noites agora eram frias.
Ela se aproximava de um túmulo recém-fechado. Pouco havia pra limpar — era recente. Apenas flores secas que ela recolhia com cuidado.
— Vocês não vão comer isso?
Katya estremeceu e virou-se. No rosto, um menino de uns oito anos mostrava esperança. Olhava curioso para doces e biscoitos deixados na lápide.
Primeiro ela quis amedrontá-lo — com olhar severo, gesto de aviso. Mas o menino suspirou:
— Eu não sou pedinte! Só tô com fome de verdade.
Katya fez um gesto para que o seguisse. Ele assentiu e começou a tagarelar sem parar:
— Eu fugi de casa. Meu pai trouxe uma nova mulher… falei que, se ia casar com ela, eu ia sair. Ele disse: “não é da conta”. Aí eu saí. Já faz cinco dias!
Katya o olhou com desaprovação, pegou seu caderno e lápis. Escreveu:
“Você entende que seu pai se preocupa com você?”
O menino fez cara de bravo:
— Não ligo. Ela é mais importante que eu.
Ela escreveu de novo:
“Ele disse isso pra você?”
— Pra quê falar? Tá bem na cara — respondeu teimoso.
Ela apenas balançou a cabeça. Abriu a porta da casinha. Mishka entrou devagar, curioso:
— E você é muda?
Katya ergueu os ombros, depois pegou comida: pão, hambúrguer, legumes — tudo o que doaram. O menino atacou como um filhote faminto.
Katya observava enquanto escrevia:
“Qual seu nome?”
— Mishka.
“E o número do seu pai, lembra?”
O menino se estremeceu, em alerta:
— Lembro… por quê?
Katya rapidamente escreveu:
“Não vou contar nada a ele. Eu mesma não posso falar. Mas se quiser, posso ajudá-lo a te encontrar.”
Mishka sorriu:
— Sério! Você não fala — que ideia ótima!
Katya entregou o celular e mostrou que ele ditasse o número. Ela digitou e enviou. Em seguida, indicou o sofá e escreveu:
“Quer dormir? Eu vou arrumar aqui.”
— Você vai ligar pro meu pai?
Ela desviou os olhos e escreveu:
“Depois. Agora preciso trabalhar.”
— Então vou dormir! — respondeu feliz ele, estatelando-se no sofá.
Katya o cobriu com um velho cobertor doado pelas senhoras e saiu.
Voltou algumas horas depois. Mishka ainda dormia. Logo ouviu um freada brusca do lado de fora, e então bateram na porta.
Katya abriu. Um homem alto, rosto esquelético e os olhos misturando dor e alívio.
Ele a encarou. Parou. Com voz suave, disse:
— Foi você…
Katya assentiu e apontou para Mishka dormindo tranquilamente.
O homem sentou-se num banquinho, suspirou fundo:
— Ele ainda não fala? — perguntou, olhando para Katya.
Ela balançou a cabeça. Quando ele perguntou se ela foi a um médico, ela apenas ergueu os braços. O homem avaliou a casinha e entendeu que ela não tinha muitas condições para isso agora.
— Não pense que não amo ele — disse ele em voz baixa — É que depois da morte da mãe, ele ficou muito sensível. Ele se magoou. E essa mulher na fazenda… A gente passava tempo juntos, e eu acho que ele entendeu errado.
Katya assentiu, sentindo o coração aquecer.
— Pai, realmente não queria se casar? — ecoou a voz de Mishka, despertado pela conversa.
— De jeito nenhum, meu filho. Eu teria falado pra gente decidir juntos.
O menino saiu correndo e abraçou o pai com força.
— Vamos pra casa!
— Vamos — sorriu ele, mas não se apressou. Olhou para Katya:
— Qual é o seu nome?
Katya pegou o caderno e escreveu:
Katya.
— Eu sou Kirill. Aqui, — entregou um cartão — vem amanhã ao meu escritório. Levo você ao médico. E não pense em recusar!
Katya sorriu e fez um aceno com a cabeça. Não pretendia negar. Pela primeira vez em muito tempo, sentia uma esperança — pequena, frágil, mas de verdade.
O médico examinou Katya demoradamente: analisou as anotações, olhou a garganta, testou reflexos. Depois se voltou para Kirill:
— Você vai deixá-la conosco?
— Creio que sim — respondeu ele.
— Ótimo. Vamos tentar. Provavelmente é efeito de estresse extremo. As cordas vocais parecem paralisadas. Psicossomático. Vamos trabalhar com hipnose, terapia, reabilitação da fala.
Kirill concordou:
— Claro. Vou buscá-la, vamos às compras, e em algumas horas voltamos.
— Excelente.
Enquanto saíam, o médico deu um cotovelo em Kirill:
— Moça bonita… Melhor mesmo se ela ficar quietinha?
— Ah, Mikhailich, você demais… — Kirill sacudiu a cabeça, ainda com um sorriso discreto — Noiva perfeita…
Duas semanas depois, o primeiro som escapou dos lábios de Katya. Acidentalmente. Tropeçou, bateu o polegar no dedão, e soltou, sem pensar:
— Ai!
A enfermeira riu:
— Normalmente a primeira palavra é “mamãe” ou “papai”. E a sua foi “ai”!
Kirill e Mishka correram em meia hora. Katya ainda se sentia insegura, as palavras saíam devagar, mas ela falava. Falava! Depois de tanta silêncio, ela recuperou a voz.
— Você vai morar conosco — decidiu Kirill. — Mishka vai te fazer falar definitivamente. Ele não para de tagarelar. E depois a gente pensa: que faculdade você quer fazer. Tem que estudar, não pode parar.
Quando Katya enfim entrou na faculdade — não a que sonhara na juventude, mas entrou — Mishka falou sério com o pai:
— Pai, se você tivesse casado com a Katya, eu nem me importaria.
Kirill sorriu, levantou uma sobrancelha:
— Por que isso?
— Porque ela é normal! Não faz pose de princesa, fala direto. É por isso.
Kirill riu:
— Tá bom, Mishanya, considerei seu conselho.
Mas o menino já tinha corrido, feliz. Um mês depois, dançava ao redor do bolo num casamento alegre e barulhento — com o pai e Katya, de mãos dadas, diante dos convidados como recém-casados.