O marido recebeu uma carta da esposa, que morreu há um ano — e a data no envelope apontava para hoje.

Histórias interessantes

O outono chegou nos arredores de Moscou devagar, sem anúncios solenes — como uma pessoa que já mora há muito tempo na casa, mas prefere passar despercebida, sentada num canto. As ruas de Serguiev Posad se encheram com o cheiro de terra molhada, folhas caídas e fumaça das fogueiras, onde os velhos locais pareciam se despedir do verão. O ar estava denso, como xarope: não se respirava — ele era afastado pelos ombros.

Alexei acordou às seis e meia, como sempre. Seu despertador interno funcionava melhor do que qualquer aparelho eletrônico. A voz de Vera o acordava há muitos meses depois da sua partida: “Está na hora de levantar, Lesha. Clientes a partir das oito.” Às vezes ele ouvia a voz dela do outro lado da parede, preguiçosa, levemente sorrindo.

Na cozinha cheirava a café. Era seu ritual — preparar o café duas vezes. A primeira xícara ele bebia sozinho, a segunda colocava ao lado — onde ela costumava sentar. Sua caneca favorita com imagens de pássaros, com a borda descascada que para ele virou uma marca que ele sentia falta.

Lada chegou — uma velha vira-lata, tão antiga quanto a casa. Gasta, com olhos âmbar onde morava a memória. Ela se enfiou nos joelhos dele e suspirou — o diálogo deles aconteceu sem palavras, mas foi preciso e completo.

Da caixa de correio, Alexei tirou um jornal, e depois um envelope estranho. Branco, grosso, sem selo nem endereço. Dentro — uma folha de papel. A letra de Vera. As mãos dele tremeram, como se ele tivesse voltado aos primeiros dias depois da morte dela.

Na folha havia apenas algumas linhas:

“Lesha. Estou perto. Não tenha medo. Você precisa saber. Vá para onde tudo começou.”

Assinatura — o habitual floreio da letra “V”. Data — hoje. Ele fitava os números como um para-brisa depois de uma batida: com esperança de que tudo pudesse ser consertado.

Ele não chorou. Os olhos estavam secos — secos demais. Assim é quando a seca dura anos, e até o céu para de esperar pela chuva.

Alexei sentou na varanda. O ar outonal agitava a borda do suéter. Lada deitou ao lado, apoiando a cabeça na perna dele. Ele olhou para o céu cinza — igual ao papel de testamentos.

Lembrou-se de quando ele e Vera chegaram pela primeira vez naquela casa. Ela ria, limpando a poeira com a manga, dizia:
— Será nosso castelo. Mesmo que o papel de parede descasque — o importante é que as janelas olhem para o mesmo lado.
Ela sempre encontrava beleza no simples. Até no fogão com a alça caída.

A casa realmente olhava para um lado — para o campo onde cresciam macieiras silvestres, e começava a floresta. Eles passeavam lá à noite. Vera plantou hortelã ao longo do caminho. Agora a hortelã estava seca.

Ele espalhou a carta na mesa. Comparou a letra com os registros do diário encontrado após o funeral. Tudo coincidia — até os erros característicos dela. Ela sempre escrevia “вдаль” com o sinal suave. Ele brincava antes:
— Você é filóloga, como pode?

Quem poderia ter escrito essa carta? Ele se perguntava isso mentalmente porque tinha medo de ouvir a resposta. Falsificação? Brincadeira? Loucura? Mas os dedos reconheciam aquele papel, aquele cheiro — leve como baunilha e ervas. A letra era verdadeira. A memória não enganava.

Ele quase não comeu o dia todo. Só bebeu água e acariciou Lada. À noite pegou um álbum antigo de fotos. Fotos são como portas: umas abrem memórias, outras se fecham sozinhas. Vera com uma camisa velha na cozinha. Vera com massa no nariz. Eles juntos na margem do Volga, onde tiveram as primeiras férias. Ele lembrou quando ela disse na barraca:
— Promete que não vai me perder. Mesmo que seja difícil.
Ele prometeu. Não sabia que a dificuldade viria depois.

Tarde da noite ele releu a carta. Os dedos memorizaram cada amassado no papel. Pegou uma lanterna e saiu. Lada veio atrás devagar. Caminharam pela alameda onde uma vez plantaram bordos. As folhas farfalhavam como vozes estranhas.

Alexei pensava: será que os mortos realmente estão perto? Não no corpo — no som, no cheiro, na memória. Na carta.

Na varanda parou. Sentou. Abraçou Lada. Acima da cabeça — nenhuma estrela.

— Eu vou, Vera. Para onde tudo começou. Só… me diga onde é?

A noite não respondeu. Mas havia menos medo do que ontem.

A manhã começou como sempre. Café, duas xícaras. Só que agora ele não bebeu nenhuma. Apenas ficou olhando o vapor subir e sumir no ar, como uma confissão.

Alexei pensava: onde tudo começou? Tinham vários lugares assim. Mas um era especial. Uma estação abandonada na aldeia de Podborie, onde se conheceram na prática universitária. Filólogos em jaquetas sujas, vasculhavam arquivos, buscavam não o sentido, mas um pretexto para conversar. Vera lia cartas da época da guerra e chorava — pela dor dos outros, como se fosse dela.

Ele lembrou quando estava sentado no banco e ela chegou dizendo:
— Você tem uma cara como se tivesse escrito todas essas cartas.
— Talvez eu tenha nascido há cem anos.
Ela riu. E sentou ao lado.

Podborie ficava a duas horas. A estação não funcionava há muito tempo, o prédio parecia um velho curvado. Alexei não estava lá há mais de dez anos.

Ele se preparou rápido. Lada pulou no carro como na juventude. Pela janela passavam as cores do outono — tudo em tons âmbar, como se o outono tivesse decidido não ser tristeza, mas ouro.

A estação o recebeu em silêncio. Prédio de madeira com o telhado caído, trilha coberta de mato. Alexei saiu. Cheirava umidade, cinza e uma espera inquieta.

Entrou. O corredor estava empoeirado, paredes descascadas. Em uma delas uma inscrição fresca feita com marcador:

“Você está perto. Eu sinto. Vá mais longe.”

As letras eram dela. O estilo. Até a letra. E a data — de hoje.

Ele andou pelo corredor, pisando com cuidado, como na água. Na esquina — uma sala onde antes havia estantes. Agora tinha só uma cadeira. Nela, uma foto. Ele e Vera. A mesma da prática. Ela segura seus ombros, ele com um violão. A foto amarelada. Mas ele sabia: tinha deixado em casa.

— Quem é você? — sussurrou, sentindo frio na pele.

Um vento atravessou a sala. Lada rosnou baixinho.

Ele saiu. Atrás do prédio — um campo. Eles costumavam colher lá flores azuis. Ele foi até lá sem saber por quê. No centro, arbustos de hortelã. Vivos. E ele sabia: não cresciam ali. Vera plantou só perto da casa.

Alexei sentou ao lado. Fechou os olhos. Lembrou dela dizendo:
— Se há alma, ela vai cheirar. Não a incenso. Mas hortelã, pão, calor.

Ele lembrou tudo. Como riam. Como sentavam perto da fogueira. Como um dia ela lhe escreveu uma carta — de verdade, no papel:

“Se se perder — volte aqui. Eu vou esperar. Em qualquer tempo.”

Ele guardava no bolso. Agora não estava mais lá. Perdeu no acidente. Mas as palavras ficaram. E agora ganhavam vida — não em sonhos, nem fantasias. Aqui — no campo, no cheiro da hortelã, nas letras na parede.

No caminho de volta ao carro viu uma moça. Jovem, jaqueta clara, cesta nas mãos.

— Você é Alexei? — perguntou antes que ele falasse.

Ele assentiu.

— Então isso é para você. — Ela estendeu uma caixinha. — Uma mulher deixou. Há muito tempo. Disse para entregar se alguém viesse procurar.

Alexei não acreditou. Abriu. Dentro — um pingente de Vera. Vidro azul, como uma gota de rio. E um bilhete:

“Você está indo certo. Estou perto.”

Ele sentou no chão. Lada chegou e deitou ao lado. A moça ficou em silêncio, mas o olhar era quente. Com compreensão.

— Quem é ela? — perguntou ele.

— Não sei. Veio na primavera. Ficou muito tempo aqui. Depois disse:
— Ele vai encontrar. O principal é que ele chegue à memória.

Alexei dirigiu para casa no escuro. A luz dos faróis ardia nos olhos, o coração batia na garganta. Ele não sabia se aquilo era mística, loucura ou coincidência. Mas sabia uma coisa: Vera parecia falar com ele. Não do túmulo. Nem do passado. Do coração mesmo. E ele escuta.

Alexei acordou cedo, antes do amanhecer. A casa estava fria — à noite a temperatura caía abaixo de zero, e o chão, como magoado com o outono, guardava um silêncio gelado. Ele se levantou, vestiu um moletom e foi para a cozinha. Lada dormia encolhida, só mexeu a orelha quando ele acendeu a luz.

Não fez café — depois da noite anterior os rituais pareciam comuns demais, quase estranhos. Olhou pela janela, onde clareava uma manhã pálida e hesitante, e pensou: será que tudo isso é só fruto de uma mente cansada? Mas o pingente de Vera estava no parapeito — tangível, real, vivo. E cheirava a hortelã. Não a metal, nem vidro — o cheiro da pele dela, do cabelo, da vida.

Pegou o telefone e começou a folhear mensagens antigas. A última mensagem de Vera estava incompleta — só duas palavras: “Não deu…” Ele relia várias vezes, tentando adivinhar o final. Não deu para dizer? Para escrever? Para voltar?

Às nove chegou o carteiro. Alexei saiu antes que ele chegasse à caixa. Homem de boné e voz com coriza eterna acenou:

— Acho que tem carta para você de novo. Sem selo. Desculpe, história estranha.

Alexei pegou o envelope. O mesmo material grosso, como papel antigo. Nele — a letra dela:

“Você conseguiu. Não se apresse. O próximo lugar é onde você disse que temia me perder. Não esconda mais seus medos. Você não está sozinho.”

Sem assinatura, mas com a letra conhecida. Lada chegou, enfiou a mão na dele — como se também sentisse algo familiar. Ele sentou junto, acariciou a orelha dela:

— Vamos mais longe, amiga?

E as memórias vieram. Onde ele confessou que tinha medo de perdê-la? Foi há muito tempo — na casa dos pais, numa das primeiras noites juntos. Ele tinha medo não de perdê-la, mas de se perder naquele novo, frágil “nós”. Mas foi naquela noite que falou isso em voz alta pela primeira vez.

Alexei não estava na casa dos pais há três anos. Depois que o pai morreu e a mãe foi morar com a irmã, a casa ficou vazia. Empoeirada. Esperando. Ele não queria voltar — ali moravam os anos de infância, cheios de amor silencioso que ninguém chamava assim.

A viagem levou meio dia. Do lado de fora passavam campos — tristes e lindos, como uma canção calma. Uma mão não deixava as costas de Lada — como se ela pudesse confirmar que tudo aquilo era real.

A casa recebeu o ranger do portão. A grama do quintal cresceu até o joelho, seca e amarelada, farfalhava sob os pés. No vidro da janela refletiu um rosto estranho.

Dentro cheirava a livros, poeira e tempo. Alexei andou devagar pelos cômodos. Na sala, onde antes pendia um tapete, só restava a parede nua. Sentou na poltrona onde o pai costumava sentar à noite, fechou os olhos.

E ouviu aquela noite: tempestade, apagão repentino. Sua voz tremia, não de frio:

— Tenho medo. De te perder. De perder isso.

Vera não disse nada. Só segurou sua mão. O silêncio dela sempre falava mais que palavras.

Ele se levantou. No parapeito da cozinha havia um envelope novo — como se tivesse surgido do ar. Dentro — uma única folha:

“Eu ouvi tudo. Naquela noite. E agora. Não se feche. Não tenha medo de viver. Você ainda é necessário.”

No verso — uma flor seca de centáurea. Talvez a mesma do campo em Podborie.

Ele sentou no chão. Lada deitou ao lado. Pela primeira vez em muito tempo, havia algo vivo nos olhos — não dor, nem medo, nem confusão. Apenas lágrimas. Como a primeira chuva depois de um ano de seca.

Chorou baixinho, silenciosamente — como quem guardou um mar inteiro dentro de si por muito tempo.

Depois ficou mais leve. Inexplicavelmente, ilogicamente. Simplesmente — mais leve.

Na varanda o esperava uma mulher — uma velha vizinha. Ela fazia a melhor geleia de espinheiro e sabia as histórias mais terríveis.

— Pensei que você não viria, Lesha. Mas veio. Como um chamado.

— Você viu? Alguém esteve aqui?

— Veio uma mulher. Na primavera. Bonita. Triste. Sentou na varanda. Disse: a casa lembra tudo. Deixou um bilhete. No parapeito.

Alexei assentiu. Não entendia essa realidade, mas sentia: não era um sonho. Nem alucinação. Era um caminho — não para o passado, mas para uma memória que respira.

A volta para casa demorou mais que o normal. Alexei dirigia devagar, como se tivesse medo de perder o que encontrou. O carro pulava nos buracos, Lada cochilava encolhida no canto do banco. Do lado de fora passavam vilas, paradas de ônibus antigas com tinta descascada e anúncios: “Vendo mel”, “Procura-se zelador”, “Vou rezar pela saúde”.

Quando voltou, a noite já caía sobre a casa. O céu cinza escorria como uma aquarela grossa demais. Ele desligou o motor, saiu, respirou o ar onde já se sentia o inverno. A primeira geada tocou a grama — a varanda ficou coberta por uma fina camada branca.

A casa estava fria. Ele ligou o aquecedor, acendeu a lâmpada com luz quente e ficou sentado muito tempo em silêncio — sem música, sem televisão. Apenas calado.

Depois achou na caixa de correio outra carta. Estava entre propagandas e jornal. Alexei reconheceu logo — papel, letra, dobra perfeita.

“Você está mais perto do que pensa. Falta só o último. Onde você não esteve, mas de que eu falei. Encontre essa casa. Encontre quem sabe. Eu acredito em você.”

No começo ele não entendeu. Não um lugar do passado — mas das conversas. A casa com que Vera sonhava — pequena, perto do rio, “quando tudo se ajeitar”. Ele riu na hora:

— Primeiro precisamos resolver isso.

— Mas você sabe — algum dia. Eu já até escolhi. Tem um galpão, um bordo na varanda e um silêncio como se o tempo estivesse dormindo.

Ele não perguntou onde era. Só uma vez ela mencionou — em algum lugar no distrito de Kashira. Agora ele lembrou.

Pegou o velho caderno de Vera. Folheou muito até achar a anotação:

“Casa em Peschanoe. Dono — vovô Egor. Ligar na primavera. Visitar.”

Ele estremeceu. Peschanoe — uma aldeia minúscula às margens do rio Oka. Ele esteve lá uma vez — de passagem. Naquela época não sabia que o lugar entraria na vida dele. Agora chamava.

A manhã trouxe uma estrada por florestas, como se fosse outra realidade. À beira do caminho — vestígios da vida de alguém: lenha na porta, jaquetas nos cercados, lanternas penduradas. Em Peschanoe não havia sinal — e isso de algum modo fazia sentido.

Reconheceu a casa logo: bordo na varanda, galpão torto, janelas empoeiradas. Reconheceu pelo coração. Ou pela memória de Vera, entrelaçada no sangue dele.

No portão estava um homem — um velho de jaqueta acolchoada, com rosto que viveu tudo: guerra, fome, perda da mulher amada, anos de solidão.

— Egor?

— Sou eu. Você deve ser Lesha?

— De Vera.

— Eu sei. Ela disse que você viria. Pediu para não vender a casa. E deixar a carta.

Na casa cheirava a fogão, poeira de madeira e geleia caseira. Na mesa — envelope azul:

“É o último. Não porque acabou, mas porque daqui em diante é você. Esta casa é sua. Venda ou viva nela. O principal — viva. Não sobreviva. Não chore. Apenas viva. Aqui há silêncio, mas não vazio. Eu estou sempre perto. Em você.”

Alexei leu como se tivesse respirado pela primeira vez depois de um longo mergulho. Sentou junto à janela, Lada enrolou-se aos pés. O sol aquecia o parapeito. Estava quieto. Mas não vazio. Suave.

— Ela veio na primavera — disse Egor, servindo chá. — Sentou aqui. Olhou a água. Disse: “Ele vai entender quando chegar a hora.”

— Ela era… real?

— Não sei, filho. Talvez fosse a alma dela. Ou o tempo não seja tão linear. Às vezes deixa os que perdemos voltarem — para que não enlouqueçamos.

Alexei assentiu. As lágrimas ardiam novamente os olhos — mas não de dor. De calor. Ele não sabia explicar, mas agora morava nele uma certeza: vai dar certo. Não fácil. Mas vai.

Ele ficou para passar a noite. O fogão estalava, Lada ressonava na porta. Deitou no sofá velho, cobriu-se com uma manta que cheirava a sol. E dormiu tranquilo pela primeira vez em um ano. Sem dor. Sem grito interior.

No sonho, Vera sentava na varanda, olhava o rio e sorria. Quando ele chegou, ela disse

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