QUANDO MICHELLE SE MUDOU, ELA SE RECUSOU A SEGUIR UMA SIMPLES REGRA: LEVE A SUA CHAVE.**
Em vez disso, ela batia na minha janela a qualquer hora, exigindo que a deixássemos entrar. Após inúmeras noites sem dormir, os outros inquilinos e eu planejamos dar a ela uma amostra do próprio veneno.
Sempre fui rigorosa com as regras. Pode me chamar de chata, mas tem algo reconfortante em saber exatamente onde você está. É por isso que eu adorava morar no nosso pequeno prédio de apartamentos na Rua Maple.
Tínhamos uma regra de ouro: depois das 20h, você sempre carrega sua chave. Simples, certo? Bem, era assim até o furacão Michelle entrar em nossas vidas.
No dia em que Michelle se mudou, eu já devia ter percebido que estava encrenca vindo. Eu estava pegando minhas cartas quando ela chegou andando pelo caminho, com seu cabelo ruivo selvagem esvoaçando e enormes óculos de sol sobre o nariz, apesar do dia nublado.
“Oi, vizinhos!” ela gritou, a voz alta o suficiente para acordar os mortos. “Eu sou Michelle! Quem vai me ajudar com essas caixas?”
Troquei olhares com Matt do 2B. Ele deu de ombros, e nós dois saímos para ajudar. Enquanto carregávamos as caixas pelas escadas, Michelle tagarelava sem parar.
“Esse lugar é tão fofo! Totalmente retrô. Mal posso esperar para dar uma animada por aqui!” Ela piscou para Matt, que quase derrubou uma caixa rotulada como “SUPRIMENTOS PARA FESTA”.
“É, bem,” eu disse ofegante, lutando com o que parecia ser uma caixa de tijolos, “nós gostamos de silêncio por aqui. Especialmente depois das 8.”
Michelle riu, um som parecido com vidro estilhaçando.
“Ah querida, a noite está apenas começando às 8!” Ela jogou o cabelo para trás. “Você vai ver, eu vou trazer vida para esse lugar.”
Eu devia ter percebido que isso era um aviso.
Na primeira semana, as coisas foram normais. Claro, a música de Michelle era um pouco alta, e sim, ela tinha o hábito de subir e descer as escadas fazendo barulho a qualquer hora. Mas não foi até a segunda sexta-feira à noite que o verdadeiro problema começou.
Passava da meia-noite quando o primeiro som de *tum-tum-tum* ecoou pelo meu apartamento. Meu cachorro, Biscuit, levantou a cabeça com um gemido. Tentei ignorar, enterrando o rosto no travesseiro. Mas então veio o *bzzz*. Era incessante, como uma vespa furiosa.
Gemendo, fui até o interfone. “Alô?”
“Ooooiii!” A voz de Michelle, um pouco arrastada, ecoou pelo alto-falante. “Sou eu! Esqueci minha chave. Você pode me deixar entrar?”
Suspirei, apertando o botão para destrancar a porta principal. Meu apartamento era no térreo, então abri a porta para lembrá-la sobre a regra da chave.
“Ah, meu deus, você é um anjo!” Michelle exclamou, o hálito cheirando a tequila. “Eu ia ficar presa lá fora a noite toda!”
“Michelle,” comecei, tentando manter a calma, “lembra da regra de sempre carregar sua chave depois das 8?”
Ela acenou com a mão, desdenhosa. “Ah, regras foram feitas para serem quebradas, né? Além disso, você está bem aqui! Não é problema para você me deixar entrar.”
“Bem, na verdade…”
Mas não adiantava dizer mais nada. Michelle já havia subido correndo as escadas e desaparecido, me deixando na porta da frente, furiosa.
Gostaria de dizer que isso aconteceu só uma vez. Mas, nas semanas seguintes, tornou-se um ritual noturno.
Às vezes ela batia nas janelas, outras vezes tocava o interfone de todos os apartamentos até que alguém a deixasse entrar.
Não importava se era 22h ou 3h — Michelle parecia viver em seu próprio fuso horário.
Uma noite particularmente frustrante, fui acordada por uma batida rítmica na minha janela do quarto. Olhei para o despertador: 2h37.
“Adrienne! Adrieeeenne! Acorda, dorminhoca!”
Aquilo foi a gota d’água para Biscuit, que correu até a janela e começou a latir. Saí da cama, cambaleando. Ao abrir a cortina, encontrei o rosto sorridente de Michelle, iluminado pela luz da rua.
“Michelle!” sibilei, abrindo a janela. “O que você está fazendo?”
Ela riu, o som irritando meus nervos já desgastados. “Esqueci minha chave, Addy. Faz um favor e me deixa entrar? Já estou batendo na sua janela há um tempão.”
Apertei o nariz, sentindo uma dor de cabeça se aproximar. “Michelle, isso precisa parar. Você não pode continuar assim. E se eu não estivesse em casa?”
Ela deu de ombros, sem se importar com a situação. “Eu teria chamado o Matt. Ou a Tiffany. Sempre tem alguém em casa, né?”
Todo o prédio estava no limite. Um dia, Tiffany do 3A me encontrou na lavanderia, com olheiras profundas.
“Adrienne, precisamos fazer algo sobre a Michelle. Não durmo uma noite inteira há semanas!”
Eu assenti, sentindo o peso da exaustão. “Eu sei, Tiff. Tentei falar com ela, mas ela só ri.”
Matt se juntou a nós, seu cabelo normalmente arrumado estava uma bagunça. “Liguei para o proprietário,” disse ele, com a voz baixa. “Adivinha? Michelle é sobrinha dele. Ele disse, e eu cito: ‘Ela só está se divertindo. Vocês precisam relaxar.’”
“Relaxar?” Tiffany sibilou. “Eu vou mostrar para ele o que é ‘relaxar’ quando eu for demitida por dormir no trabalho!”
Foi quando Riley do 4C se pronunciou. Eu nem tinha notado sua presença ali, perto das secadoras.
“Sabe,” ela disse, com um brilho travesso nos olhos, “se Michelle não ouve a razão, talvez precisemos falar a língua dela.”
Todos nos inclinamos, enquanto Riley explicava seu plano. Era mesquinho, claro. Infantil, até. Mas depois de semanas de noites sem dormir e de risadas despreocupadas de Michelle ecoando nos nossos ouvidos, parecia uma doce vingança.
Na noite seguinte, colocamos o plano em ação.
Michelle chegou em casa por volta da 1h, e como de costume, começou a bater nas janelas e tocar os interfones. Alguém a deixou entrar, como sempre, e eu ouvi enquanto ela subia as escadas.
Atacamos uma hora depois.
Saí e fiquei apertando o interfone do apartamento dela por uns bons dez minutos. Finalmente, sua voz irritada ecoou no alto-falante.
“Quem é, e o que há de errado com você?”
“Oi, Michelle! Sou eu, Adrienne. Levei o Biscuit para passear e esqueci minha chave. Faz um favor e me deixa entrar?”
“Você está falando sério? São 1h da manhã!”
Eu não pude evitar uma risada. “Ah, mas eu sempre faço isso por você, qual é o problema?”
Ouvi ela murmurar algo, mas me deixou entrar. Rapidamente, enviei uma mensagem para Tiffany e corri escada acima para a próxima parte. Cheguei ao andar de Michelle quando uma série de batidas fortes ecoou pelo corredor.
“Michelle? Michelle? Você está em casa?” Tiffany chamou, batendo na porta.
“Tiff? O que você está fazendo?” Michelle gemeu.
“Ah, eu só queria saber se alguém já tinha te deixado entrar. Boa noite!”
Eu me encostei na parede, sufocando uma risada. Mas não tínhamos terminado. Nos dias seguintes, continuamos nossa campanha. Se Michelle esquecia sua chave, nós fazíamos questão de que ela também não dormisse. Era mesquinho, sim, mas era tão bom.
No quinto dia, Michelle estava um caco. Seu cabelo estava uma bagunça, suas roupas de grife amassadas, e olheiras escuras cercavam seus olhos vermelhos de cansaço. Quando ela subiu as escadas, quase me senti mal. Quase.
“Por favor,” ela disse, a voz rouca de tanto gritar, “vocês podem parar com isso? Eu entendi, tá bom? Só parem de me acordar todas as noites!”
Tiffany, que tinha saído para assistir ao show, não pôde evitar uma provocação. “Ah, então você entende o quão irritante é. Engraçado, você não parecia se importar quando fazia isso com a gente.”
O lábio inferior de Michelle tremeu, e por um momento achei que ela fosse chorar. Mas então ela ergueu os ombros. “Tá bom. Desculpa, ok? Vou começar a levar minha chave. Só… por favor, me deixem dormir.”
Todos trocamos olhares. Não era um grande pedido de desculpas, mas era algo. Lentamente, assentimos.
“Certo, Michelle,” eu disse, tentando não soar vitoriosa. “Vamos parar. Mas lembre-se—”
“Sim
, sim,” ela resmungou, revirando a bolsa. “Sempre levar minha chave depois das 8. Entendi.”
Na noite seguinte, fiquei tensa ao ouvir o barulho inconfundível dos passos de Michelle nas escadas. Mas, para minha surpresa, não houve batidas nem interfones tocando. Apenas o som suave de uma chave na fechadura.
Eu não pude evitar um sorriso. “Engraçado,” murmurei, me acomodando no sofá, “como a paz sempre vem quando todos finalmente seguem as regras.”
Biscuit balançou o rabo em concordância, e eu fiz carinho atrás das orelhas dele. Nosso pequeno prédio de apartamentos estava de volta ao normal — ou tão normal quanto poderia ser com o furacão Michelle morando no andar de cima. Mas, ei, pelo menos agora ela tinha a chave para se enturmar.