Rebecca lidava com a depressão organizando sua vida para não haver tempo para ela. Ela fazia isso há anos, desde o divórcio. Até que um estranho persistente decidiu interferir em sua rotina rígida e solitária. Mal sabia Rebecca que ele se tornaria a única pessoa de quem ela sentiria falta.
À luz suave de seu quarto, Rebecca deitou-se de costas, com o olhar fixo no relógio digital ao lado da cama.
Os números marcavam 6:29. Ela respirou fundo, esperando que o relógio mudasse.
Assim que o relógio bateu 6:30, o alarme tocou, mas Rebecca foi rápida em silenciá-lo.
Ela se sentou, jogou os cobertores para o lado e se levantou da cama com precisão prática.
Primeiro as coisas—Rebecca alisou os lençóis, ajeitando cada canto até que a cama parecesse impecavelmente arrumada.
Ela entrou no banheiro, onde tudo tinha seu lugar.
Sua escova de dentes descansava ordenadamente em um suporte, o sabão estava colocado exatamente no lugar certo em um pires e um pequeno espelho estava pendurado acima da pia.
Rebecca tirou um momento para olhar seu próprio reflexo, sua expressão calma, mas distante.
Ela tinha 47 anos, com marcas de experiência e resiliência gravadas em seu rosto.
Sete anos haviam se passado desde seu divórcio, e embora a dor tivesse diminuído, ela deixara uma cicatriz.
Sua resposta à dor do coração foi ordem, disciplina e uma rotina rígida. Essas coisas lhe davam um senso de controle, algo sólido para se apegar quando a vida parecia caótica.
Exatamente às 7 horas, Rebecca amarrava seus tênis de corrida, conectava seus fones de ouvido e saía para o seu trote matinal.
Durante anos, essas corridas foram sua fuga, um momento para fortalecer seu corpo enquanto ouvia audiolivros que exercitavam sua mente.
Era seu escudo contra a tristeza, cada passo uma forma de seguir em frente.
Mas, no último mês, algo havia começado a perturbar sua rotina cuidadosamente planejada—um vizinho chamado Charlie, que parecia determinado a invadir sua solitária guarda, um “bom dia” de cada vez.
A casa de Charlie ficava bem em frente à sua, e todas as manhãs, assim que Rebecca caía em seu ritmo constante, ele saia pulando da sua casa, acenando os braços como uma criança entusiasmada, mal conseguindo manter seus tênis nos pés.
Essa manhã não foi diferente. Rebecca o avistou de relance enquanto ele descia as escadas de sua casa, enfiando os cadarços apressadamente em seus tênis para tentar alcançá-la.
Ela suspirou, revirando os olhos e acelerando o passo, esperando que ele pegasse o recado dessa vez. Mas, como sempre, Charlie não se deixava desmotivar facilmente.
“Rebecca! Espera, sou eu!” ele chamou, sua voz alegre enquanto ele corria para alcançá-la, acenando com uma mão e segurando sua lateral com a outra.
Rebecca fingiu não ouvi-lo e manteve os olhos à frente, seus passos rítmicos e focados.
Mas Charlie estava determinado, e logo estava correndo ao lado dela, embora um pouco ofegante.
“Você é rápida… como sempre,” ele conseguiu dizer entre suspiros, sorrindo torto enquanto tentava acompanhar seu ritmo.
Rebecca tirou um dos fones e olhou para ele, fingindo surpresa. “Ah, oi, não vi você aí,” ela respondeu, com um toque de irritação.
Ela tinha toda a manhã planejada, e conversar com o vizinho não estava nos planos.
“Sem problema, totalmente minha culpa por estar atrasado,” disse Charlie, ainda sem fôlego.
Rebecca podia ver que ele estava se esforçando para acompanhá-la, mas ele parecia satisfeito apenas por estar correndo ao lado dela.
Ela deu uma pequena e desdenhosa aceno com a cabeça e estava prestes a colocar o fone de ouvido novamente, quando Charlie falou de novo.
“Ei, quer ouvir uma piada?” ele perguntou com entusiasmo, sua voz carregando aquele entusiasmo inquebrantável que ela achava irritante e, ao mesmo tempo, estranhamente encantador.
“Você economizaria mais fôlego se falasse menos enquanto corre…” ela resmungou, mas ele ignorou a sugestão.
“Por que o espantalho recebeu uma promoção?” ele perguntou, sorrindo.
Rebecca suspirou. Ela sabia que era melhor não ceder, mas não pôde evitar.
“Não sei. Por quê?”
“Porque ele estava se destacando no campo!” Charlie entregou a resposta com um grande sorriso vitorioso, seus olhos brilhando de expectativa.
Rebecca fez uma pausa, refletindo sobre a piada, e, contra seu melhor julgamento, soltou uma risada.
Ela tentou rapidamente abafá-la, mas era tarde demais. Charlie viu sua reação, e seu rosto se iluminou de alegria.
“Viu? Você sorriu! Estou ficando melhor nisso,” ele observou com satisfação, praticamente radiante com sua pequena vitória.
Rebecca balançou a cabeça, mas seu sorriso permaneceu, embora breve.
“Vou te dar essa, essa não foi… tão ruim,” ela cedeu, ainda fingindo não se impressionar.
Charlie levantou o punho para o ar, sorrindo como se tivesse ganhado um prêmio.
“Finalmente! Progresso!” ele comemorou, rindo.
Rebecca acelerou o passo novamente, deixando Charlie lutando para acompanhá-la.
Cada manhã, Rebecca se pegava esperando pela visão de Charlie saindo de sua casa com seus tênis desamarrados e seu sorriso alegre.
Suas piadas bobas, que antes a faziam revirar os olhos, haviam se tornado agradáveis, e ela se via sorrindo mais frequentemente, até rindo em voz alta, o que era algo que ela não fazia há muito tempo.
Mais surpreendente para ela, ela começara a desacelerar seu ritmo—apenas um pouco—para que pudessem conversar por mais tempo.
O entusiasmo e a leveza de Charlie tinham um jeito de amolecer as duras barreiras que Rebecca havia construído ao seu redor.
Ele até conseguira invadir sua rotina rígida, algo que ela achava que ninguém conseguiria.
Enquanto amarrava os tênis e olhava pela janela, Rebecca se pegou olhando para a casa dele, como fazia quase todas as manhãs. Hoje, porém, algo parecia diferente.
A porta de sua casa estava fechada, e não havia sinal dele.
Ela olhou para o relógio e esperou, dizendo a si mesma para não se preocupar. Mas, depois de alguns minutos, a dúvida começou a aparecer.
Isso não era como Charlie—ele sempre estava tão animado para se juntar a ela.
Ela hesitou, sentindo uma mistura estranha de preocupação e decepção, mas finalmente caminhou até sua casa e bateu à porta.
Ela bateu o pé enquanto esperava, olhando ao redor e esperando que ele simplesmente tivesse esquecido de acordar. Mas não houve resposta.
Ela tocou a campainha novamente, depois se aproximou da janela, espiando para dentro, mas os cômodos estavam quietos e imóveis.
“Charlie! Está aí?” ela chamou, tentando manter a voz firme. “Vamos lá, você está perdendo nosso treino!”
Ela esperava que ele aparecesse de repente, rindo e pedindo desculpas por estar atrasado. Mas tudo o que ouviu foi silêncio.
Foi então que uma voz idosa falou perto.
“Quem está gritando por aqui?” Surpresa, Rebecca se virou e viu a senhora Lewis, uma mulher idosa que morava ao lado de Charlie, observando-a com curiosidade.
“Ah, dona Lewis,” Rebecca disse, sentindo-se envergonhada pela explosão.
“Eu normalmente corro com o Charlie, mas ele não apareceu hoje. Talvez tenha dormido demais,” ela acrescentou, com a voz mais baixa, como se falasse para si mesma.
Ela sentiu uma pontada de preocupação, pensando que talvez ele simplesmente não quisesse correr com ela mais.
Dona Lewis balançou a cabeça, parecendo preocupada.
“Dormido demais? Ah não, querida. Ele foi levado para o hospital de ambulância ontem à noite.”
O coração de Rebecca deu um pulo.
“Para o hospital? O que aconteceu com ele?”
Dona Lewis suspirou, claramente chateada também.
“Não sei. Só vi a ambulância chegar e levá-lo. Uma pena. O pobre homem vive sozinho, sem ninguém para cuidar dele.”
Rebecca ficou ali, processando a notícia, uma onda de culpa e preocupação a invadindo.
Ela conhecia Charlie há pouco tempo, mas nesse período, ele de alguma forma se tornara parte de sua vida, alguém que ela passava a esperar ver.
Sem pensar duas vezes, Rebecca agradeceu à senhora Lewis, se virou e foi para casa pegar sua bolsa e as chaves. Só havia um hospital nas proximidades, e ela precisava encontrá-lo.
Rebecca sentia seu coração acelerar enquanto caminhava pelos corredores movimentados do hospital, o cheiro antisséptico preenchendo suas narinas e tornando-a ainda mais ansiosa. Ela respirou fundo enquanto se aproximava da recepção, esperando soar calma.
“Bom dia,” disse ela, com a voz um pouco trêmula. “Estou procurando um paciente que foi internado ontem à noite. O nome dele é Charlie.”
A recepcionista levantou a sobrancelha, olhando por cima dos óculos. “Você tem um sobren
ome, senhora?”
Rebecca sentiu seu rosto esquentar. “Não, desculpe… Eu só conheço ele como Charlie. Nós nos… conhecemos recentemente,” ela admitiu, percebendo o quão estranho isso deveria soar.
A recepcionista lhe deu um olhar ligeiramente cético. “Você sabe que apenas familiares ou parentes próximos geralmente podem visitar pacientes, certo?”
“Eu… sou namorada dele,” ela disparou, surpreendendo até a si mesma.
Os olhos da recepcionista suavizaram enquanto um sorriso pequeno surgia em seu rosto. “Namorada, hein?” Ela digitou algumas teclas no computador, um brilho travesso em seus olhos.
“Então você já vai precisar aprender o sobrenome dele. Vai precisar disso se ele for ficar por aqui,” disse com um piscadelinha.
“Charlie Sanders. Quarto 113. Eu te levo lá.”
Rebecca sentiu o coração bater mais forte enquanto murmurava um “obrigada” e seguia a recepcionista pelo corredor.
Antes mesmo de chegarem ao quarto, ela ouviu a risada familiar de Charlie, sua voz ecoando pela porta enquanto ele compartilhava uma piada com alguém no quarto.
A recepcionista bateu suavemente na parede para anunciar a chegada de Rebecca.
“Charlie, tem uma moça aqui para te ver… ela diz que é sua namorada,” ela acrescentou com uma pitada de brincadeira na voz, olhando para Rebecca.
Os olhos de Charlie brilharam assim que ele a viu. “Sim, sim! Rebecca, entra aí. Claro que ela veio me ver,” ele disse com um sorriso, acenando para ela se aproximar.
Rebecca sentiu um alívio instantâneo enquanto caminhava até ele para se sentar ao seu lado.
Charlie parecia cansado, mas alegre, como se o avental de hospital e a intravenosa fossem apenas inconvenientes menores em seu dia.
Ela olhou para ele, tanto aliviada quanto exasperada. “Namorada, hein?” Charlie zombou, levantando as sobrancelhas de maneira divertida.
Rebecca lhe lançou um olhar de reprovação. “Eu precisei dizer algo para poder entrar aqui, não é? E você perdeu nosso treino essa manhã! O que aconteceu?” ela perguntou, uma ponta de preocupação invadindo sua voz.
Charlie suspirou, mexendo-se um pouco na cama.
“Bem… é meio embaraçoso admitir, mas essas corridas? Não são exatamente boas para minha saúde.”
O rosto de Rebecca empalideceu. “Como assim?”
Ele olhou para baixo, parecendo um pouco envergonhado.
“Eu tenho uma condição cardíaca. O médico mandou evitar qualquer coisa muito intensa… como tentar acompanhar você,” admitiu com um sorriso torto.
O coração de Rebecca afundou, e ela balançou a cabeça, sem acreditar.
“Charlie, por que você não me contou? Você não deveria estar correndo de jeito nenhum!”
Charlie deu um pequeno sorriso de lado.
“Bem… se eu não estivesse correndo, não teria te conhecido. Não teria tido a chance de te conhecer.”
Rebecca sentiu sua expressão suavizar, uma mistura de surpresa e carinho aquecendo seu coração.
“Então você estava disposto a arriscar sua saúde só para conversar comigo?” ela perguntou baixinho, olhando-o nos olhos.
Ele assentiu, a expressão séria.
“Sim,” disse ele simplesmente.
“Eu te vi todas as manhãs, correndo sempre no mesmo horário, como um relógio. Vi você ajudar os vizinhos, fazer ações para a caridade. Você é… uma pessoa especial, Rebecca.”
Rebecca sentiu um nó na garganta, as palavras dele tocando-a de uma maneira que ela não esperava.
Ela estendeu a mão e pegou a dele, apertando-a suavemente.
“Charlie,” ela disse, sua voz suave, “você não precisa correr para passar um tempo comigo. Que tal um jantar na minha casa, em vez disso?”
O rosto de Charlie se iluminou com um sorriso caloroso.
“Isso soa muito mais seguro para o meu coração,” ele respondeu, seus olhos brilhando. “Acho que o médico definitivamente aprovaria.”
Rebecca riu, sentindo a tensão em seu peito desaparecer enquanto compartilhavam um sorriso.
“Espero que sim,” ela murmurou, ansiosa por uma noite que não envolvesse corridas de tirar o fôlego, mas sim uma refeição tranquila com alguém que, em tão pouco tempo, se tornara surpreendentemente importante para ela.