Quando Carla embarca em um voo, as cicatrizes em sua pele se tornam o alvo do desgosto de um casal cruel, desencadeando uma tensa confrontação na cabine. O que começa como uma resistência silenciosa logo se intensifica, à medida que o casal exige ação, forçando a tripulação a intervir.
O aeroporto estava mais frio do que o usual, ou talvez fosse apenas a maneira como as pessoas me olhavam. Mantenho a cabeça baixa, segurando o bilhete de embarque como se fosse a única coisa que me mantivesse inteira.
A cicatriz no meu rosto ainda estava se curando, mas já parecia ter se gravado na minha identidade. As pessoas não me viam mais, viam a cicatriz primeiro.
O ferimento aconteceu há um mês, em um acidente de carro. Eu era passageira, e quando o airbag se abriu, um pedaço de vidro cortou meu rosto profundamente. Os médicos agiram rapidamente, costurando com precisão, mas não conseguiram evitar a linha irregular que se formou.
Meu dermatologista chamou de «cicatriz precoce», crua, brilhante e vermelha. Ela se estendia de uma polegada acima da minha linha do cabelo, descia pela minha sobrancelha, cortava a bochecha e terminava perto da linha da mandíbula. Parte da minha sobrancelha nunca mais iria crescer, e minha bochecha tinha uma depressão onde o corte foi mais profundo.
Por semanas, meu rosto estava coberto de bandagens. No começo, não conseguia nem olhar no espelho. Mas, à medida que as feridas cicatrizavam e as bandagens eram retiradas, não tive escolha a não ser encarar.
Meus amigos tentaram me animar, dizendo que era marcante, até sexy de uma maneira misteriosa. Eu tentava acreditar neles, mas era difícil quando estranhos olhavam ou desviavam o olhar rapidamente.
O processo de cicatrização foi lento e desconfortável. Todo dia, eu aplicava os cremes e pomadas que o dermatologista recomendou, garantindo que a pele ficasse limpa e hidratada.
Mas nenhum cuidado poderia mudar a aparência brilhante e escorregadia ou as linhas vermelhas e intensas que pareciam gritar por atenção. Eu sabia que elas iam desaparecer com o tempo, mas a ideia de que nunca sumiriam completamente pesava no meu peito.
Agora, enquanto caminhava até meu assento no avião, podia sentir todos os olhares sobre mim. Me deixei cair no assento da janela, meu coração acelerado.
Pelo menos havia embarcado cedo, evitando as multidões. Coloquei os fones de ouvido, deixando a música abafar minhas preocupações. Fechei os olhos, rezando por um voo tranquilo e sem incidentes.
Acordei com vozes. Vozerios.
«Você está brincando comigo?» um homem resmungou. «Esses são os nossos assentos?» O tom dele era cortante, como se estivesse com raiva do mundo.
«Fileira 5B e 5C,» a voz de uma mulher respondeu, seca e impaciente. «Tudo bem. Apenas se sente.»
O casal se acomodou nos assentos ao meu lado, fazendo barulho e se mexendo bastante. Mantive os olhos fechados, esperando que me deixassem em paz. O homem tinha uma voz rouca e áspera. «Eu não acredito nisso. Pagamos por esse voo, e é isso que recebemos? Assentos de última hora ao lado de—» Ele parou.
«Ao lado de quê?» a mulher perguntou, sua voz subindo. «Ah.» Eu senti os olhos dela em mim. Minha pele se arrepiou. «Você está brincando.»
Fiquei parada, meu coração batendo forte. Por favor, parem de falar.
«Ei, senhora!» o homem gritou. Eu abri os olhos lentamente e me virei para ele. Ele se encolheu, depois fez uma careta. «Você não pode cobrir isso ou algo assim?»
Piscando, não consegui falar.
«Tom,» a mulher sibilou, cobrindo o nariz com a manga do suéter. «Isso é nojento. Como deixaram ela embarcar assim?»
«Exatamente!» Tom se inclinou para frente, apontando o dedo para mim. «Este é um lugar público, sabia? As pessoas não precisam ver… isso.»
Senti meu rosto esquentar. As palavras ficaram presas na minha garganta. Eu queria explicar, dizer que não era algo que eu pudesse controlar, mas nada saiu.
«Você vai continuar aí sentada?» a mulher disse, sua voz aguda e nasal. «Inacreditável.»
Tom se inclinou para o corredor e chamou uma comissária de bordo. «Ei! Você pode fazer algo sobre isso? Minha namorada está em pânico.»
A comissária se aproximou, com uma expressão calma, mas séria. «Há algum problema, senhor?»
«Sim, tem um problema,» Tom disse. «Olha para ela!» Ele apontou com o polegar na minha direção. «Está incomodando minha namorada. Você pode transferir ela para o fundo ou algo assim?»
Os olhos da comissária se voltaram para mim. Seu rosto suavizou por um momento antes de se voltar novamente para o homem. «Senhor, todos os passageiros têm direito aos seus assentos. Tem algo que eu possa ajudá-los?»
«Eu acabei de te falar!» Tom retrucou. «Ela está sentada aí parecendo assim. Isso é nojento. Ela deveria ter que cobrir ou se mudar.»
A mulher acrescentou, «Eu não consigo nem olhar para ela. Vou vomitar.»
A comissária se endireitou, sua voz fria e firme. «Senhor, senhora, vou precisar pedir para que abaixem as vozes. Esse tipo de comportamento não é aceitável.»
Tom fez um som de escárnio. «Comportamento? E o comportamento dela? É inconsiderado! Ela está assustando as pessoas!»
A comissária o ignorou e se agachou levemente para falar comigo. «Senhorita, você está bem?»
Eu acenei com a cabeça, rígida, mal contendo as lágrimas.
A comissária se levantou novamente. «Vou voltar em instantes,» disse ela, sua voz estável. «Com licença por um momento.»
Enquanto ela caminhava em direção à cabine, Tom se recostou no assento, resmungando baixinho. A mulher ao lado dele cruzou os braços e olhou para o corredor. Eu olhei pela janela, desejando poder desaparecer.
A cabine estava silenciosa, exceto pelo zumbido baixo dos motores. Fiquei olhando para o assento à minha frente, tentando não chorar. Algumas fileiras atrás, alguém sussurrou. Eu imaginava que estavam falando de mim.
O interfone estalou. A voz do capitão soou, calma, mas firme.
«Senhoras e senhores, aqui é o capitão falando. Fomos informados sobre comportamentos que não estão alinhados com o ambiente respeitoso que nos esforçamos para manter neste voo. Gostaria de lembrar a todos que assédio ou discriminação de qualquer tipo não será tolerado. Por favor, tratem os demais passageiros com dignidade.»
O anúncio causou um murmúrio na cabine. Cabeças se viraram, passageiros se mexendo nos assentos enquanto olhavam para a fileira 5. Eu vi alguém do outro lado do corredor balançando a cabeça em desaprovação, e meu estômago se revirou.
A comissária voltou, mantendo a postura firme e composta. Ela se inclinou na nossa fileira e se dirigiu diretamente ao casal. «Senhor e senhora, preciso que se movam para os assentos 22B e 22C, no fundo do avião.»
O homem parecia atônito. «O quê?» ele gritou. «Nós não vamos nos mover!»
«Senhor,» a comissária disse firmemente, «isso não é negociável. O comportamento de vocês perturbou o voo e precisamos garantir um ambiente confortável para todos os passageiros.»
«Isso é ridículo,» a mulher resmungou, puxando o suéter mais apertado. «Por que estamos sendo punidos? Ela é quem está causando o problema!»
A comissária não se mexeu. «Senhora, seus novos assentos estão prontos. Por favor, peguem seus pertences.»
O homem fez uma careta, o rosto vermelho de raiva. «Isso é uma loucura,» ele murmurou, puxando sua mala de baixo do banco. A mulher o seguiu, resmungando alto enquanto pegava a bolsa. Passageiros ao redor observavam em silêncio, com expressões variando de desaprovação a uma satisfação silenciosa.
Enquanto o casal se arrastava pelo corredor, alguém bateu palmas. Então, outro. O som foi crescendo, espalhando aplausos por toda a cabine. Eu mordi o lábio, tentando segurar as lágrimas. Não era por vergonha dessa vez, mas pelo conforto estranho e inesperado daquele gesto.
A comissária se virou para mim, a expressão suave. «Senhorita, quero pedir desculpas pelo que aconteceu. Ninguém deveria passar por isso.»
Eu assenti, sem confiar na minha voz.
«Temos um assento disponível na classe executiva,» ela continuou. «Gostaríamos de movê-la para lá como um gesto de boa vontade. Isso seria aceitável?»
Eu hesitei. «Não quero causar problemas.»
«Você não está causando problemas,» ela disse, com uma
voz gentil. «Por favor, deixe-nos cuidar de você.»
Assenti, murmurando: «Obrigado.»
Enquanto me acomodava no novo assento, ela me trouxe uma xícara de café e um pequeno pacote de biscoitos, depois me deixou para relaxar. Olhei pela janela, as nuvens um borrão branco suave contra o azul infinito. Minha respiração se acalmou, o nó no meu peito se desfazendo.
Pela primeira vez em semanas, deixei-me chorar. Lágrimas silenciosas desceram pelas minhas bochechas. Pensei nas palavras dos meus amigos, como eles me disseram que eu ainda era eu, com cicatrizes e tudo. «Você ainda é linda,» disse um. «Agora, você é só mais feroz também.»
Olhei pela janela novamente. As nuvens pareciam infinitas, se estendendo até o horizonte. As lágrimas pararam. Respirei fundo, o ar preenchendo meus pulmões como uma promessa.
Enquanto o avião seguia, senti algo que não sentia há semanas: esperança.