**Perdi tudo em um único dia—meu emprego, minha casa e, depois, meu pai. No testamento dele, minha irmã ficou com a casa e me deixou de fora. Fiquei sem nada, exceto um antigo apiário… e um segredo que eu nunca vi chegando.**
Rotina. Essa era a base da minha vida. Eu abastecia prateleiras, cumprimentava os clientes com um sorriso educado e memorizava quem sempre comprava qual marca de cereal ou com que frequência ficavam sem leite.
No final de cada turno, eu contava meu salário, separando um pouco toda semana, sem um propósito claro. Era mais um hábito do que um plano.
E então, em um único dia, tudo desmoronou como um biscoito seco entre dedos descuidados.
— Estamos fazendo cortes, Adele — disse minha gerente. — Sinto muito.
Ela não esperou uma resposta. Não havia nada a ser discutido. Tirei meu crachá e o coloquei no balcão.
Caminhei para casa em silêncio, mas, assim que cheguei ao meu prédio, algo parecia errado. A porta da frente estava destrancada e um leve traço de um perfume feminino desconhecido pairava no ar.
Meu namorado, Ethan, estava na sala ao lado da minha mala.
— Ah, você chegou. Precisamos conversar.
— Estou ouvindo.
— Adele, você é uma pessoa incrível, de verdade. Mas sinto que estou… evoluindo. E você simplesmente… continua a mesma.
— Ah, entendi — murmurei.
— Eu preciso de alguém que me impulsione a ser melhor — ele acrescentou, olhando para a janela.
Esse «alguém» estava esperando por ele no carro.
Eu não discuti. Não implorei. Peguei minha mala e saí. A cidade parecia enorme, e, de repente, eu não tinha para onde ir. Então, meu telefone tocou.
— Estou ligando sobre o Sr. Howard. Sinto muito, mas ele faleceu.
Sr. Howard. Era assim que o chamavam. Mas, para mim, ele era meu pai. E, assim, meu destino foi selado.
Em meia hora, comprei uma passagem de ônibus e deixei a cidade para trás, indo para o lugar onde minha infância havia sido reescrita. Howard nunca foi meu pai de sangue. Ele foi meu pai por escolha.
Quando eu já era quase adulta, depois de anos passando por lares adotivos, ele e minha mãe adotiva me acolheram. Eu não era uma criança pequena de olhos arregalados, fácil de moldar em uma família. Eu era uma adolescente.
Mas eles me amaram mesmo assim. Eles me ensinaram o que era um lar. E, finalmente, esse lar se foi. Minha mãe faleceu um ano atrás. E então… meu pai a seguiu.
Eu era órfã novamente.
O funeral foi silencioso. Fiquei no fundo, consumida demais pela dor para notar os olhares afiados que minha irmã adotiva, Synthia, me lançava. Ela não estava feliz por eu estar lá, mas eu não me importei.
Depois do funeral, fui direto ao escritório do advogado, esperando nada mais do que algumas ferramentas da garagem do meu pai, algo pequeno para lembrar dele.
O advogado abriu o testamento.
— De acordo com o último desejo do Sr. Howard, sua residência, incluindo todos os pertences, será herdada por sua filha biológica, Synthia Howard.
Synthia sorriu, como se tivesse acabado de ganhar algo que sempre soube que era dela. Então, o advogado continuou.
— O apiário, incluindo todos os seus conteúdos, será concedido à minha outra filha, Adele.
— Como é?
— O terreno de apicultura — repetiu o advogado. — Conforme o desejo do Sr. Howard, Adele deve assumir a posse da terra, das colmeias e de qualquer receita futura da produção de mel. Além disso, ela tem o direito de residir na propriedade, desde que mantenha e cuide da operação da apicultura.
Synthia soltou uma risada curta e amarga.
— Você só pode estar brincando.
— Está tudo descrito no documento — o advogado ergueu os papéis.
O olhar de Synthia perfurou o meu.
— Você? Cuidando de abelhas? Você nem consegue manter uma planta viva, muito menos um apiário inteiro.
— Foi o que papai quis — disse finalmente, embora minha voz carecesse de convicção.
— Ótimo. Quer ficar? Pode ficar com suas malditas abelhas. Mas não pense que vai morar na casa.
— O quê?
— A casa é minha, Adele. Você quer viver nessa propriedade? Então, aceite o que recebeu.
Um frio se instalou no meu estômago.
— E onde exatamente espera que eu durma?
— Tem um celeiro nos fundos. Considere parte do seu novo estilo de vida rústico.
Eu poderia ter discutido. Poderia ter brigado. Mas eu não tinha para onde ir. Havia perdido meu emprego. Minha vida. Meu pai. E, mesmo tendo um direito ali, fui tratada como uma estranha.
— Tudo bem.
Naquela noite, carreguei minha mala para o celeiro. O cheiro de feno seco e terra me envolveu ao entrar. Em algum lugar lá fora, galinhas cacarejavam, se acomodando para dormir.
Os sons da fazenda me cercavam. Encontrei um canto, larguei minha mala e me sentei sobre a palha.
As lágrimas vieram silenciosas, queimando minhas bochechas. Eu não tinha mais nada. Mas eu não iria embora. Eu ficaria. Eu lutaria.
Claro, aqui está a continuação:
—
As noites ainda estavam frias, mesmo com a primavera estendendo seus dedos sobre a terra. Então, pela manhã, fui até a cidade e gastei o resto das minhas economias em uma pequena barraca. Não era muito, mas era minha.
Quando voltei à propriedade, arrastando a caixa atrás de mim, Synthia estava na varanda. Ela observava enquanto eu desembalava as barras metálicas e o tecido, com um brilho de diversão nos olhos.
— Isso é hilário — disse ela, encostando na cerca de madeira. — Você realmente vai fazer isso? Agora está se fazendo de garota de fazenda?
Ignorei-a e continuei montando.
Lembrei-me das viagens de acampamento que costumava fazer com meu pai: como ele me ensinou a fazer uma fogueira, montar um abrigo adequado e armazenar comida de forma segura ao ar livre. Essas lembranças me alimentaram naquele momento.
Juntei pedras da borda da propriedade e fiz um pequeno círculo para a fogueira. Montei uma área simples para cozinhar ao ar livre usando uma grade de ferro velha que encontrei no celeiro. Não era uma casa, mas era um lar.
Synthia, observando o tempo todo, balançou a cabeça.
— Acampar na primavera é uma coisa, Adele. Mas qual é o seu plano quando ficar mais frio?
Não caí na provocação. Eu tinha coisas maiores para me preocupar.
Naquela tarde, encontrei Greg, o apicultor com quem meu pai trabalhou por anos. Fui informada de que ele tinha mantido o apiário após a morte do meu pai, mas ainda não tinha tido a chance de conhecê-lo.
Greg estava ao lado das colmeias quando me aproximei. Ele franziu a testa ao me ver.
— Ah, é você.
— Preciso da sua ajuda — disse diretamente. — Quero aprender a cuidar das abelhas.
Greg soltou uma curta risada, balançando a cabeça.
— Você?
Ele me olhou de cima a baixo, avaliando toda a minha existência que gritava «garota da cidade».
— Sem ofensa, mas você sabe pelo menos como se aproximar de uma colmeia sem ser picada até a morte?
Endireitei os ombros.
— Ainda não. Mas estou disposta a aprender.
— É? E o que faz você achar que vai durar?
Eu podia ouvir a voz de Synthia na minha cabeça, seus constantes sorrisos desdenhosos, suas risadas desprezíveis.
— Porque eu não tenho escolha.
Greg, para minha surpresa, soltou uma risada baixa.
— Tudo bem então. Vamos ver o que você tem.
Aprender foi mais difícil do que eu esperava.
Tive que superar meu medo das abelhas primeiro—o jeito como elas se aglomeravam, o zumbido baixo de seus corpos vibrando pelo ar. A primeira vez que vesti o traje de proteção, minhas mãos tremiam tanto que Greg teve que refazer as correias para mim.
— Relaxa — disse Greg. — Elas sentem medo.
— Ótimo. Só o que eu precisava.
Ele riu disso.
— Se não quiser que te piquem, não aja como presa.
Nas semanas seguintes, Greg me ensinou tudo: como instalar as fundações nas molduras, inspecionar uma colmeia sem perturbar a colônia, e identificar a rainha entre milhares de abelhas idênticas.
Alguns dias, eu estava exausta antes do meio-dia. Meu corpo doía de carregar as molduras pesadas. Eu cheirava a fumaça, suor e terra. E, ainda assim, eu tinha um propósito.
Naquela noite, o ar cheirava estranho.
Eu acabava de entrar na propriedade, com os braços cheios de compras, quando um cheiro forte e acre chegou até as minhas narinas.
Fumaça. Oh, não! Minhas colmeias…
O fogo estava avançando, línguas de chamas alaranjadas lambendo o céu que escurecia. As chamas rastejavam pela grama seca, consumindo tudo em seu caminho.
Minha barraca estava em ruínas, seu tecido enrolando e derretendo sob o calor. O fogo devorara tudo o que estava dentro—minhas roupas, roupa de cama, os últimos vestígios do que eu havia tentado construir para mim mesma.
Mas meus olhos se fixaram nas colmeias.
Elas estavam perto das chamas, a espessa fumaça indo na direção delas. Se o fogo chegasse até elas…
Não. Eu não deixaria isso acontecer. Peguei um balde ao lado do poço e corri em direção ao fogo, mas…
— Adele! Volta!
Greg.
Virei para vê-lo correndo pelo campo. Um segundo depois, outros seguiram—vizinhos, fazendeiros locais, até o homem mais velho da loja geral. Eles carregavam pás, baldes, e qualquer coisa que pudessem encontrar.
Eu mal tive tempo de processar o que estava acontecendo antes que eles começassem a agir.
— Peguem a areia! — gritou Greg.
E percebi que algumas pessoas estavam arrastando sacos pesados de terra seca do celeiro. Rasgaram-nos e começaram a cobrir o fogo, jogando areia sobre as chamas, cortando o seu oxigênio.
Meus pulmões queimavam com a fumaça, mas eu continuei. Trabalhamos juntos até que as chamas finalmente se apagaram.
Virei para a casa. Synthia estava na varanda, observando.
Ela não levantou um único dedo para ajudar. Eu me virei.
As colmeias estavam salvas. Mas minha casa se foi.
Greg se aproximou, enxugando a fuligem da testa. Seu olhar se desviou para a janela onde Synthia estava, poucos momentos antes.
— Menina, esse não é o bairro mais seguro. Eu recomendaria colher o mel logo, antes que seja tarde.
Lavamos as mãos, espantamos a exaustão e, sem mais palavras, começamos a trabalhar.
Levantei a moldura de madeira da colmeia, tirando as poucas abelhas que ainda rastejavam sobre a superfície. Os favos estavam cheios, dourados, brilhando à luz suave da noite.
E então eu vi. Um pequeno envelope amarelado estava preso entre os painéis de cera. Minha respiração parou. Com cuidado, puxei-o para fora e li as palavras escritas na frente.
— **Para Adele.**
Eu não me movi. Não respirei. Dentro, dobrado cuidadosamente, estava um segundo testamento. Esse era o verdadeiro testamento. Comecei a ler.
— **Minha querida Adele,**
Se você está lendo isso, então fez exatamente o que eu esperava—ficou. Lutou. Provou, não para mim, mas para você mesma, que é mais forte do que qualquer um jamais imaginou.
Eu queria deixar-lhe esta casa abertamente, mas sabia que não teria a chance. Synthia nunca permitiria. Ela sempre acreditou que o sangue é o único fator que define uma família. Mas você e eu sabemos que é mais do que isso.
Eu não tive tempo de registrar este testamento oficialmente, mas sabia exatamente onde colocá-lo—em um lugar onde só você poderia encontrar. Eu o escondi naquilo que ela mais desprezava, a única coisa que ela nunca tocaria. Eu sabia que, se você escolhesse ficar e cumprir isso, você ganharia o que sempre foi seu.
Adele, essa casa nunca foi só paredes e um teto—foi uma promessa. Uma promessa de que você sempre teria um lugar onde pertence.
Como meu último desejo, deixo-lhe tudo. A casa, a terra, o apiário—tudo agora é seu. Faça dela um lar. Faça dela sua.
Com todo o meu amor,
**Pai**
A casa sempre foi minha.
Naquela noite, quando Greg e eu terminamos de colher o mel, subi as escadas da casa pela primeira vez. Synthia estava sentada à mesa da cozinha, tomando chá. Coloquei o testamento sobre a mesa à sua frente.
— Onde você arrumou isso? — ela perguntou, depois de ler.
— Papai escondeu nas colmeias. Ele sabia que você tentaria pegar tudo, então garantiu que não encontraria.
Pela primeira vez desde que cheguei, ela não tinha nada a dizer.
— Você pode ficar — disse eu, e ela olhou para mim, surpresa. — Mas nós administramos esse lugar juntas. Ou aprendemos a viver como uma família, ou não moramos aqui de jeito nenhum.
Synthia riu de forma zombeteira, colocando o testamento na mesa.
— Você está falando sério?
— Sim.
Então, finalmente, ela se recostou na cadeira, soltando uma risada cansada e lenta.
— Tudo bem. Mas não toco nas malditas abelhas.
— Combinado.
Os dias passaram, e a vida começou a tomar forma lentamente. Vendi meus primeiros potes de mel, vendo meu trabalho duro finalmente dar frutos. Synthia cuidou da casa, mantendo-a em ordem enquanto eu cuidava das abelhas. E Greg se tornou um amigo, alguém com quem eu podia sentar na varanda ao pôr do sol, compartilhando momentos silenciosos e histórias sobre o dia.