Não foi uma traição. Era algo diferente.
Era… lindo.
O armazém inteiro havia sido transformado em um ateliê de arte, adornado com telas, ferramentas de escultura, materiais de pintura e uma enorme claraboia que lançava uma luz quente sobre tudo.
E no meio de tudo isso estavam Lora e seus filhos, sorrindo para mim.
“Feliz aniversário”, ela disse suavemente.
Eu pisquei. “O quê?”
Ela deu um passo à frente, estendendo outro envelope. “Isso é para você, querida. Sabíamos que você estava nos seguindo.”
Olhei para a caligrafia do meu pai. Com as mãos tremendo, abri:
“Minha querida filha,
Eu te conheço. Você está de luto, está perdida, e, conhecendo você, provavelmente está desconfiada neste momento. Mas eu não poderia deixar você passar seu aniversário afogada na tristeza.”
Minha respiração falhou. Era meu aniversário.
“Eu queria que você tivesse algo bonito. Algo só seu. Este lugar… é seu. Lora e eu compramos para você… seu próprio ateliê de arte. Um lugar para criar, sonhar e curar. Foi ideia dela. Ela te ama.”
As lágrimas turvaram minha visão.
“Eu estava doente, e sabia que não estaria aqui para o seu aniversário”, continuou a carta. “Depois do meu funeral, pedi para eles te trazerem aqui. E te surpreenderem. Porque, mesmo na morte, meu único desejo é que você seja feliz. Viva, minha filha. Crie. Ame. E saiba que sempre terei orgulho de você.”
Quando terminei de ler, estava chorando abertamente.
Lora sorriu suavemente, se aproximando. “Ele fez a gente prometer que faríamos isso por você. E ele estava certo. Você precisava disso hoje.”
Minha meia-irmã Sarah deu um passo à frente, seus olhos brilhando. “Lembra quando você me mostrou seu caderno de esboços quando tinha 10 anos? Papai não parava de falar o quanto você era talentosa.”
“Ele guardou todo desenho que você lhe deu”, acrescentou Michael, sua voz carregada de emoção. “Até as figuras de palito quando você tinha seis.”
Engoli em seco, olhando ao redor do ateliê. O espaço estava cheio de tudo o que eu sempre sonhei em ter. Era um lugar sagrado onde eu poderia finalmente abraçar a paixão que tinha enterrado sob anos de dúvida.
Olhei de volta para Lora. “Você realmente fez isso por mim?”
Ela assentiu. “Todos nós fizemos.”
“Os cavaletes foram ideia minha”, disse Sarah suavemente. “Lembrei de você dizendo como amava trabalhar em telas grandes.”
“E eu escolhi a iluminação”, acrescentou Michael. “Papai dizia que você sempre reclamava das sombras no seu quarto quando tentava pintar.”
A culpa me atingiu como um soco no estômago. Eu os segui esperando traição, ganância e algo horrível.
E, em vez disso, encontrei amor.
Por anos, mantive distância, acreditando que não fazia realmente parte da família deles. Mas, ali, rodeada pelas pessoas em quem meu pai confiou para cumprir seu último desejo, percebi algo.
Eu não estava sozinha. E talvez… nunca tivesse estado.
Limpei minhas lágrimas, rindo baixinho. “Eu me sinto tão estúpida. Eu pensei que…”
Lora balançou a cabeça. “Você pensou que não nos importávamos.”
Eu assenti.
Ela suspirou. “Amber, eu sei que nunca fui sua mãe. Nunca tentei ser. Eu só… não queria substituí-la. Achei que manter distância era o que você queria.”
“Eu estava com medo”, admiti. “Depois que a mamãe morreu, pensei que, se me deixasse amar outra família, estaria de alguma forma a traindo.”
Sarah estendeu a mão para mim. “Nós também estávamos com medo. Não queríamos que você pensasse que estávamos tentando tirar seu pai de você.”
Meu peito apertou. Será que todos nós estivemos construindo muros todos esses anos?
Engoli em seco. “Eu não sei como consertar isso.”
Lora sorriu, gesticulando ao redor do quarto. “Isso é um começo.”
“Papai sabia exatamente o que estava fazendo”, disse Michael, balançando a cabeça com um sorriso triste. “Mesmo no fim, ele ainda estava nos unindo.”
Soltei um suspiro trêmulo. E, pela primeira vez em anos, deixei minha madrasta me abraçar.
“Ele te amava muito”, ela sussurrou contra o meu cabelo. “Todos nós amamos.”
No dia seguinte, estava no meu ateliê de arte, uma tela branca à minha frente. A luz do sol entrava pela claraboia, aquecendo minha pele.
Pela primeira vez desde a morte do meu pai, não me sentia perdida.
No meu celular, havia uma mensagem em grupo de Lora e os filhos, planejando um jantar familiar semanal. Sarah já tinha perguntado se eu poderia ensiná-la a pintar. Michael queria ajudar a instalar novas prateleiras.
Peguei a última carta do meu pai, lendo-a mais uma vez. Suas palavras pareciam diferentes agora… menos como uma despedida e mais como um começo.
Mergulhei o pincel na tinta, sentindo o calor se espalhar pelo meu peito. A tela à minha frente estava branca, intocada, e cheia de possibilidades… assim como o futuro que eu nunca pensei que teria com minha família de coração.
As palavras do meu pai ecoaram em minha mente enquanto meu olhar se fixava na foto dele.
“Viva, minha filha. Crie. Ame.”
“Eu vou, papai. Eu prometo”, sussurrei.
Sorri, tocando a tela suavemente. “Eu sei o que vou pintar primeiro, papai. Toda a nossa família… junta. Do jeito que você sempre nos viu, mesmo quando não conseguíamos ver isso por nós mesmos.”
E com isso, comecei a pintar, sabendo que em algum lugar, de algum modo, ele estava sorrindo.
Às vezes, os maiores presentes vêm embrulhados nos pacotes mais inesperados. O último presente do meu pai não foi apenas este ateliê… foi a família que eu sempre tive, esperando atrás de muros que todos nós construímos. Agora esses muros estavam caindo, um pincelada de cada vez.
E isso, talvez, fosse a obra-prima que ele sempre quis.