Depois que me mudei para a casa do meu namorado e da filha dele, Alicia, meu filho de 5 anos, David, mudou. Ele parou de brincar, se agarrava a mim o tempo todo e se encolhia sempre que Alicia se aproximava. Todos diziam que ele ia se adaptar. Mas eu sabia que não era tão simples.
Antes do Brian, a vida era simples. Só eu e o David. Uma equipe de duas pessoas num apartamento minúsculo com piso rangente, uma torneira que vazava e cortinas que nunca cobriam completamente as janelas.
As manhãs começavam com desenhos animados e cereais derramados. As noites terminavam com banhos de espuma e batalhas de dinossauros. Era um pouco cansativo, mas era só nosso. Eu achava que não precisava de mais nada.
Naquele dia, eu estava de joelhos esfregando o chão da cozinha depois da “grande aventura no aquário” do David, que envolveu meio frasco de corante azul, biscoitos e um tubarão de brinquedo.
— Mamãe, eu fiz um oceano! — disse David, orgulhoso.
— Claro que fez — suspirei, apertando a esponja. — Mas talvez da próxima vez o oceano possa ficar numa tigela, tá bom?
Meu celular vibrou no balcão. Sequei as mãos na calça de moletom e olhei para a tela.
**“Que tal um café hoje depois das seis?”**
Congelei por um segundo. Brian. Depois inclinei a cabeça e sorri de lado.
Já fazia mais de um ano desde o meu divórcio. Tempo suficiente para esquecer como funcionava um encontro. Tempo suficiente para construir muros grossos ao redor de mim.
Sou boa em evitar emoções. Será que vou mesmo fazer isso?
É só um café. Não é um pedido de casamento.
**“Claro.”** Respondi.
Nos encontramos num cafézinho na esquina. Brian se levantou quando entrei. Parecia alguém que sempre lembra de comprar pilhas e nunca fica sem detergente.
— Você veio — ele sorriu, puxando uma cadeira para mim.
— Você chamou — dei de ombros, sentando.
Ele tinha uma calma silenciosa, como alguém que não precisava provar nada. Ele ouvia. De verdade.
— Você tem os olhos mais gentis — ele sussurrou. — Você merece ser cuidada.
Dei um gole devagar no cappuccino.
— Por enquanto, eu sou minha própria cuidadora. E do David. Ele tem cinco anos. Ama dinossauros. E transformar minha cozinha em aquário.
Brian riu.
— Eu também tenho uma pequena. Alicia. Ela tem seis anos. Uma faísca ambulante — nunca para quieta.
Em poucas semanas, estávamos nos vendo quase todos os dias.
Apresentamos as crianças numa feira pequena no parque. Eles andaram no carrossel juntos. Alicia escolheu o unicórnio branco. David escolheu o dragão. Ela disse que dragões eram falsos. Ele respondeu que unicórnios eram piores. Terminamos o dia com cobertura de cupcake no rosto e, por um momento, tudo parecia leve.
***
Três meses depois, Brian me olhou do outro lado da cozinha.
— Você não precisa mais viver de caixas. Esta pode ser sua casa agora. Nossa.
Quis dizer sim. Mas me lembrei dos anos contando moedas. De transformar uma refeição em duas. De dormir com o medo como colega de quarto.
Será que eu podia mesmo confiar?
Então olhei para David. Dormindo, com a bochecha encostada no ombro do Brian. Um sorriso nos lábios que eu não via há meses.
Então eu disse sim.
***
No começo, nossa nova vida parecia um sonho.
Brian acordava cedo e fazia café fresco, sempre do jeito que eu gostava — com leite de aveia e uma pitada de canela. Jazz suave tocava ao fundo enquanto eu tomava banho e, pela primeira vez em anos, eu não precisava me apressar.
Alicia corria pela casa com pijamas de unicórnio brilhante, rindo. David construía fortes de almofadas na sala, a cabecinha saindo debaixo de um cobertor, perguntando se dragões podiam entrar.
Parecia que a magia finalmente tinha nos encontrado.
Mas na terceira semana, comecei a notar rachaduras.
Um dos carrinhos preferidos do David estava quebrado ao meio. Depois outro. Depois, o livro de dormir que ele tinha desde os dois anos apareceu com a capa rasgada e uma página faltando.
Encontrei meu filho no quarto, ajoelhado ao lado da caixa de brinquedos, olhando fixamente para o carrinho quebrado.
— David — perguntei, agachando ao lado dele — o que aconteceu com seus brinquedos?
Ele deu de ombros, olhos baixos.
— Nada.
Algo não estava certo. David não era descuidado. Tratava suas coisas como tesouros. Com carinho. Com amor. Como se tivessem sentimentos.
— Você e a Alicia estão se dando bem?
Ele hesitou.
— Ela não quer brincar comigo.
— E você quer brincar com ela?
— Não muito.
— Ela disse algo maldoso?
Ele balançou a cabeça, depois sussurrou:
— Mãe… eu não sou um bebê.
Não insisti. Mas aquilo não me parecia certo.
Naquela noite, depois que Alicia foi para a cama e David adormeceu ao lado do abajur aceso, sentei no sofá com Brian e falei.
— Acho que tem algo errado entre as crianças. O David está diferente. Mais quieto. As coisas dele continuam aparecendo danificadas. Ele se fecha perto da Alicia.
Brian suspirou devagar e pegou minha mão.
— Eles estão se adaptando. Leva tempo. Eu vou conversar com eles. Prometo.
No dia seguinte, como prometido, Brian chamou os dois para o sofá.
— Ok, equipe — disse ele, tentando manter o tom leve. — Vamos ser sinceros. Aconteceu alguma coisa entre vocês dois?
Alicia sorriu, radiante.
— Não, papai! Somos amigos!
Ela parecia uma criança de comercial de cereal. David ficou meio escondido atrás de mim. Não disse nada. Os lábios cerrados. As mãos juntas.
Mais tarde, quando a casa estava em silêncio e as crianças dormiam, Brian me olhou do outro lado da mesa.
— Viu? O problema não é a Alicia. Ela é aberta e gentil. Talvez o David só esteja com dificuldade de se adaptar. Antes ele tinha você só para ele. Agora é diferente.
— Você está falando sério? — perguntei, com o coração apertando. — O David nunca teve problemas com outras crianças. Ele sempre foi gentil. Isso não é o jeito dele.
— Eu entendo — Brian tentou soar compreensivo. — Mas talvez esteja sendo difícil pra você aceitar que ele não é perfeito. Não coloque a culpa na minha filha, tá bom? Ela é uma menina. Ela não machucaria um menino.
Aquilo doeu. E nós dois sabíamos disso. Foi nossa primeira briga séria.
Na manhã seguinte, liguei para o trabalho e disse que estava doente. Eu precisava estar em casa. Precisava ver o que estava realmente acontecendo.
Foi aí que eu vi. O momento que mudou tudo.
***
Passamos o fim de semana fazendo tudo que normalmente trazia paz ao David — desenhos, lanches, lendo juntos no sofá sob um cobertor macio.
Alicia era só sorrisos e doçura, pulando pela sala com seu unicórnio de pelúcia e usando a voz mais fofa para tudo.
— Posso ajudar com a pipoca, mamãe Sophie?
David não falava muito. Assistia aos desenhos, mas não ria. Os olhos pareciam cansados, como os de alguém muito mais velho que cinco anos.
No domingo à tarde, vi Alicia oferecer um doce a ele.
— David — falei com carinho — a Alicia te ofereceu um doce. Você devia agradecer.
Ele olhou para o embrulho colorido e balançou a cabeça.
— Obrigado, mas não quero.
— David — insisti — precisa ser educado. Ela está tentando ser legal.
Ele me olhou, depois desviou. Sem palavras. Apenas se levantou e foi para o quarto.
O fim de semana inteiro foi assim. Tensão silenciosa. Como se algo estivesse entre eles, invisível, mas pesado.
Então veio a segunda-feira. E a escola ligou.
— Seu filho… se envolveu em um incidente. Você precisa vir.
Meu coração despencou. Não fiz perguntas; só peguei as chaves.
Na sala da diretoria, uma menina chorava, as tranças bagunçadas caindo sobre os ombros. Ao lado dela, David, pequeno e rígido na cadeira de plástico.
A diretora atrás da mesa, boca cerrada.
— David puxou o cabelo da Katie. Ela pegou um livro da mesa dele sem pedir, e ele reagiu… fisicamente.
Pisquei, tentando respirar.
— Não é a primeira vez que vemos esse comportamento — ela acrescentou. — Entendemos que transições são difíceis, mas se continuar, precisaremos tomar medidas.
O trajeto de volta foi silencioso. Sem rádio. Sem palavras. Só o som dos pneus e o peso entre nós.
Quando as crianças estavam em seus quartos, Brian fechou a porta e virou-se para mim.
— Eu não sei mais o que dizer — disse ele, ríspido. — Isso prova tudo. Alicia não é o problema. Seu filho precisa de estrutura. Consequências reais. Sem desenhos. Sem passeios. Ele precisa pensar no que fez.
Fiquei parada, atônita.
— Você acha mesmo que punição é a solução agora? Não vê que ele está sofrendo?
— Eu vejo um menino que atacou uma menina! — Brian retrucou. — E uma mãe que continua defendendo isso!
A voz dele tremeu. Um tremor sutil.
— Eu só… eu não sei mais o que fazer. Não reconheço mais ele.
Isso me parou. A raiva desapareceu. O que restou foi medo. Brian estava assustado. Com medo de estar falhando como pai. De perder o controle.
Não gritei. Só assenti.
— Mais uma semana — disse a mim mesma.
Mais uma semana para entender. Para ver se as coisas melhoravam.
Mas eu não precisei esperar tanto.
***
Naquela mesma noite, acordei com sede. A casa estava quieta. Caminhei até o corredor, ainda sonolenta, indo buscar um copo d’água.
Mas algo me fez parar.
Um som suave vindo do quarto das crianças. Um sussurro. Depois, o som de algo sendo rasgado. Meu estômago afundou. Empurrei a porta devagar. A luz estava apagada, mas a claridade do corredor iluminava o suficiente.
Alicia estava sentada no chão, rasgando o livro de dormir favorito do David. O que ele carregava desde sempre.
A lombada rasgada. As páginas dobradas. David parado à frente dela, congelado, olhos cheios de lágrimas.
— Não! Esse é meu! — ele gritou, machucado.
— Ele é meu pai! Não seu! — Alicia gritou de volta.
Acendi a luz. O coração disparado.
— Alicia… o que você está fazendo?
Ela congelou. O rosto pálido. O queixo começou a tremer.
— Foi você quem quebrou as coisas do David — falei, mais para mim mesma do que como acusação.
— Ele roubou meu papai! — ela chorou. — Eu não sou mais a favorita! Eu não quero vocês aqui!
Me ajoelhei, tentando manter a calma.
— Querida, coloca o livro no chão. Vamos conversar, tá bom?
Mas o corpinho dela tremia. Ela rangeu os dentes e gritou.
— Sai daqui!
Ela jogou o livro em mim. Caiu no carpete com um baque.
Brian entrou correndo, o cabelo bagunçado, os olhos semicerrados.
— O que está acontecendo?!
— Papai! Estão sendo maus comigo! — Alicia gritou, correndo até ele.
Fiquei parada, o peito apertado.
— Eu entrei e a encontrei rasgando o livro do David. Foi só isso que tentei dizer.
Brian piscou, olhando de mim para Alicia.
— Alicia, querida…
Ela se escondeu no peito dele. A voz abafada:
— Você ama eles agora. Não me ama mais.
Brian a abraçou forte.
— Não. Isso não é verdade. Você é minha princesa. Sempre será. Ninguém pode te substituir. Mas o amor não acaba, querida. Ele cresce. Tem espaço pra todo mundo.
Ele me olhou. Os olhos disseram tudo.
— Me desculpa. Você estava certa. Eu devia ter escutado.
***
No dia seguinte, nos sentamos todos na sala. Alicia debaixo do braço do Brian. David encostado em mim.
— Crianças — Brian começou com delicadeza — a Sophie e eu nos amamos. Isso não significa que alguém aqui seja amado menos. Significa que agora tem mais amor nessa casa.
Ele olhou para Alicia.
— E o David… ele é seu irmão agora. Talvez não de sangue — mas o amor é que faz a família aqui em casa.
O lábio de Alicia tremeu.
— Você ainda vai me amar como antes?
Brian sorriu e a puxou para perto.
— Sempre.
Ela olhou para David.
— Desculpa, David.
David a encarou por um segundo. Depois assentiu.
— Tá. Só… não rasga meus livros de novo.
***
Não viramos uma família perfeita do dia pra noite. Mas a verdade ajudou. Assim como a confiança. E as risadas. E as idas noturnas para comprar sorvete, onde esquecíamos os guardanapos e derrubávamos chocolate no sofá.
Semanas se passaram. E então ouvimos — risadas de verdade.
Dos dois. Construindo fortes, roubando biscoitos, sussurrando segredos nos cantos.
Eles não eram mais inimigos. Finalmente estavam virando uma equipe.