Todos na escola adoravam o Sr. Mitchels — o professor gentil e de fala mansa em quem os pais confiavam sem questionar. Mas quando a pequena Ellie entregou à mãe um desenho com uma figura misteriosa rotulada como “Tio”, algo mudou. O coração de Prue afundou. Sua filha não tinha tio. Então, quem era ele — e por que era um segredo?
Prue sentou-se silenciosamente na pequena cadeira no canto da sala de aula do Sr. Mitchels.
A sala tinha um leve cheiro de giz de cera e marcadores de quadro branco — o aroma familiar da infância.
Seus olhos percorreram os detalhes — as prateleiras cheias de livros sobre psicologia infantil, educação e desenvolvimento precoce; caixas coloridas de plástico com brinquedos, quebra-cabeças e blocos; um canto com uma cadeira de almofada sob uma árvore de papel colada na parede.
Parecia um lugar seguro. Cuidadoso. Suave.
Ela queria acreditar. Que esse espaço poderia acolher sua filha sem deixá-la quebrar.
A porta se abriu suavemente. O Sr. Mitchels entrou com um sorriso que parecia pertencer a alguém que nunca levantava a voz.
Ele andava com uma calma que imediatamente acalmava o ambiente. Seus olhos eram calorosos, sua camisa social impecável.
“Sra. Harper,” disse ele com uma voz gentil, estendendo a mão.
“É um prazer. Estava ansioso para conhecê-la. Sua filha, Ellie, foi muito bem no teste de admissão. Entrar nesta escola não é fácil.”
Prue apertou sua mão e devolveu o sorriso, embora o dela fosse mais contido.
“Obrigada. Estamos felizes que ela tenha conseguido… Mas há algo de que preciso falar antes que ela comece.”
Ele se sentou em frente a ela, cruzou as mãos e assentiu. “Claro. Pode falar.”
Prue se remexeu um pouco na cadeira. Seus dedos se entrelaçaram no colo. “Ellie é adotada,” disse ela.
“Ela sabe disso. Sempre fomos abertos. Não há segredos entre nós.”
O Sr. Mitchels fez um leve aceno, ouvindo com atenção.
“Mas ela passou por muita coisa,” Prue continuou.
“E crianças podem ser… cruéis. Ela já foi intimidada antes. Isolada nas salas de aula. Só quero ter certeza de que isso não vai acontecer aqui.”
“Agradeço por me contar,” ele disse, com sinceridade na voz.
“Isso importa. E prometo — vou ficar atento. Nenhuma criança deve se sentir indesejada na própria sala de aula.”
Prue sentiu os ombros relaxarem um pouco. Um suspiro escapou, sem que ela percebesse que o prendia.
“Obrigada,” disse ela, levantando-se.
Mas justo quando pegava a bolsa, o Sr. Mitchels perguntou: “Se não se importa em me dizer… quando você adotou a Ellie?”
Prue parou, surpresa. “Cinco anos atrás,” disse lentamente.
“Os pais biológicos dela morreram em um acidente de avião. Foi horrível. Ela tinha só três anos.”
Por um instante, o rosto dele mudou. Empalideceu. Sua mão tremeu levemente antes de escondê-la debaixo da mesa.
“Está bem?” Prue perguntou, preocupada.
Ele piscou, forçando um sorriso no rosto como se vestisse uma blusa apertada. “Sim. Só uma dor de cabeça. Obrigado por ter vindo.”
Prue assentiu e saiu, mas algo dentro dela permaneceu tenso. Um sussurro no estômago.
Algo naquela reação não parecia certo.
As primeiras semanas de aula passaram mais rápido do que Prue esperava. As manhãs eram uma correria de lanches, sapatos perdidos e lembretes sobre tarefas.
À noite, vinham os diários de leitura, prática de ortografia e pilhas de roupas que nunca diminuíam.
A vida seguia, mas Prue seguia sempre com um olho em Ellie.
Sua filha parecia bem — quieta, um pouco mais séria que o normal, mas sorria quando Prue lhe dava um beijo de boa noite.
Comia o jantar, abraçava Scout, o cachorro peludo, e contava para a mãe sobre brincadeiras no recreio e colegas novos. Ainda assim, algo parecia diferente.
Mães notam essas coisas.
Uma noite, logo após o jantar, Prue passou pelo quarto de Ellie e ouviu o som suave de giz de cera no papel.
Espiou e viu Ellie em sua escrivaninha, a língua levemente de fora enquanto se concentrava em um desenho.
“O que você está fazendo, querida?” Prue perguntou, entrando.
Ellie se virou com um grande sorriso. “Olha, mamãe!” Ela mostrou um desenho, depois outro.
Sóis brilhantes, grama verde, a casa na árvore do quintal. Scout com a língua de fora e o rabo abanando.
Prue sorriu, folheando as páginas com Ellie. “Estão lindos, meu amor.”
Então seus olhos pousaram em outro desenho. Ela congelou.
Três bonecos de palito estavam de mãos dadas.
Um tinha a legenda “Mamãe.” Outro, “Papai.” E ao lado deles — outra figura. Um homem. Simplesmente rotulado: “Tio.”
O coração de Prue disparou.
“Ellie… quem é esse?” ela perguntou, com a voz suave.
O sorriso de Ellie desapareceu. Ela olhou para as mãos. “Prometi não contar.”
A garganta de Prue apertou. “Prometeu a quem?”
“Não posso dizer,” Ellie sussurrou. “Ele disse que é segredo.”
Prue beijou o topo da cabeça da filha e sorriu, embora o coração batesse dolorosamente.
“Tudo bem, querida. Só lembra — você sempre pode me contar qualquer coisa. Sempre.”
Aquela noite, Prue ficou deitada na cama encarando o teto. Ellie não tinha tios. Nenhum. Ela e seu falecido marido não tinham irmãos.
Não havia parente que pudesse ser aquela figura.
Então, quem pediu para sua filha guardar segredos? E por quê?
Na tarde seguinte, quando Prue estava prestes a pegar a bolsa para buscar Ellie, o telefone vibrou no balcão da cozinha.
Ela limpou as mãos no pano de prato e atendeu.
“Sra. Harper, aqui é o Sr. Mitchels,” veio a voz suave e calma.
“A Ellie está com um pouco de dificuldade na leitura. Nada sério, mas gostaria de mantê-la um pouco depois da aula para ajudá-la a acompanhar.”
Prue franziu a testa. “Leitura? Ela não falou nada sobre isso.”
“Talvez esteja envergonhada,” disse ele gentilmente. “É comum.”
Ela hesitou. Ellie nunca tinha mostrado sinais de estar atrasada. E não era a primeira vez que ficava até mais tarde.
“Certo,” Prue disse devagar. “Obrigada por avisar.”
Mas seus dedos apertaram mais forte o telefone ao desligar. Seu instinto se revirou. Algo estava errado.
Ela não esperou.
Prue pegou as chaves, quase esquecendo de trancar a porta ao sair correndo para o carro.
A viagem até a escola pareceu mais longa que o normal. Seu pé batia nervoso a cada sinal vermelho.
Ao chegar, o prédio estava quase vazio. O silêncio do fim de dia tomava conta.
Um zelador empurrava uma vassoura pelo corredor, o som das cerdas preenchendo o espaço.
“Com licença,” disse Prue, tentando manter a voz firme. “Você viu o Sr. Mitchels e a Ellie Harper?”
O homem levantou os olhos, confuso. “Não vi. As salas já estão vazias.”
A voz de Prue ganhou um tom de pânico. “Tem certeza?”
“Acho que vi o carro do Sr. Mitchels saindo há pouco,” acrescentou.
“Talvez tenha ido para o parque.”
Aulas ao ar livre? Sem avisá-la?
Prue não esperou por mais nenhuma palavra. Correu para o carro, as chaves apertadas no punho, as mãos tremendo.
Seu coração batia tão forte que abafava qualquer outro som.
O parque vibrava com a alegria típica do fim de semana — cachorros latiam ao longe, crianças gritavam correndo pela grama, e a brisa quente carregava o cheiro de pipoca e grama recém-cortada.
Mas Prue não estava ali para isso. Seus olhos varriam cada canto como um falcão caçando.
Finalmente, à sombra de um bordo alto, ela os viu. O Sr. Mitchels estava sentado em um banco, as mangas arregaçadas.
Ellie ao seu lado, balançando as pernas e lambendo um sorvete, o rosto iluminado por um sorriso.
O fôlego de Prue falhou. Um alívio percorreu seu corpo — seguido por raiva.
“Ellie!” chamou, a voz trêmula.
Ellie se virou e correu, surpresa mas feliz. “Mamãe!”
Prue se ajoelhou e envolveu a filha num abraço apertado.
Acariciou os ombros, o rosto, os braços — procurando por qualquer sinal de machucado. Não havia nada.
Ela se levantou lentamente e virou-se para o Sr. Mitchels, o rosto firme, as palavras ainda mais.
“Por que não me disse que a levaria para fora da escola? Disse que ela estava em aula.”
“Eu… ela precisava de uma pausa,” ele disse, já desconcertado. “Ela estava cansada e pediu sorvete. Achei que o parque seria uma mudança de ambiente.”
Prue cruzou os braços. “Você mentiu.” A voz não subiu, mas estava fria. “E aquele desenho — ela te chamou de tio. O que está escondendo?”
Os ombros do Sr. Mitchels caíram. A máscara calma e profissional caiu.
“Eu não queria mentir,” disse, a voz baixa. “Só… não sabia como dizer.”
“Dizer o quê?”
Ele olhou para Ellie, que agora estava entre os dois, observando em silêncio. Depois voltou-se para Prue.
“Sou o tio dela. O verdadeiro. Minha irmã — Jessica — era a mãe dela.”
Prue sentiu o ar desaparecer de seus pulmões.
“Descobri há cinco anos,” continuou.
“Depois do acidente, entraram em contato comigo. Eu poderia tê-la acolhido, mas… eu estava mal. Sem emprego, sem dinheiro, sem ideia de como criar uma criança. Eu disse não.”
Ele fez uma pausa e engoliu seco.
“Quando vi o nome dela na lista de alunos… soube que era ela. Mesmo sobrenome. Os mesmos olhos. Verifiquei os registros, e confirmei.”
Ele olhou para baixo, envergonhado. “Queria consertar as coisas. Pelo menos estar por perto. Saber que ela estava bem.”
Prue ficou imóvel, o coração martelando no peito. O vento balançava as folhas acima deles. Ellie estendeu a mão e segurou a da mãe.
“Você devia ter me contado,” Prue disse por fim. “Ela é minha filha. Não tinha o direito de guardar segredos.”
“Eu sei,” ele sussurrou. “Mas… se você permitir… eu gostaria de fazer parte da vida dela. Com sua permissão.”
Prue não respondeu de imediato. Olhou para Ellie, que sorriu e apertou sua mão.
Seu coração doía com confusão — e algo mais que não esperava sentir: compreensão.
“Vou pensar,” disse suavemente. “Mas daqui pra frente, nada de mentiras.”
No dia seguinte, Prue encontrou o Sr. Mitchels em um café tranquilo, a poucos quarteirões da escola.
Era um daqueles lugares pequenos, com mesas gastas e cheiro de muffin recém-assado no ar.
O tipo de lugar onde conversas importantes acontecem porque parece íntimo o bastante.
Sentaram-se frente a frente, duas canecas fumegantes entre eles. Nenhum tocou na bebida.
“Ela é feliz conosco,” Prue disse, a voz calma mas firme. “Ela está segura. Isso é o que mais importa para mim.”
“Eu sei,” ele disse, assentindo devagar.
“Não quero tirá-la de você. De verdade. Você deu a ela um lar. Amor. Estabilidade… tudo que eu não tinha naquela época. Eu só… eu também a amo. Ela é minha sobrinha.”
Prue mexia o café com uma colher, o metal tocando suavemente a cerâmica. Seus dedos ainda estavam tensos.
“Você cometeu um erro,” ela disse. “Grande. Virou as costas quando ela mais precisava de você. Mas…”
Ela pausou, seus olhos encontrando os dele. “Talvez ainda não seja tarde demais para fazer o certo.”
A esperança brilhou no rosto dele como luz entre nuvens. “Quer dizer… eu posso vê-la?”
Prue assentiu.
“Você pode fazer parte da vida dela. Mas só nos meus termos. Isso significa visitas supervisionadas, conversas abertas e nada de esconder segredos. Se for estar presente, tem que ser honesto — comigo, com ela, com você mesmo.”
Ele não hesitou. “Claro. Qualquer coisa.”
Do lado de fora da janela, o mundo seguia seu curso. Pais empurravam carrinhos. Crianças riam. As folhas dançavam ao sol. A vida seguia em frente.
“Ela tem uma boa vida agora,” Prue disse em voz baixa. “E talvez… talvez ela tenha sorte. Tem mais pessoas que a amam do que a maioria das crianças jamais terá.”
O Sr. Mitchels sorriu. Um sorriso verdadeiro, pela primeira vez em dias. “Obrigado.”
Prue fez um leve aceno. Seus olhos ainda estavam atentos, mas algo dentro dela havia suavizado.
Não era confiança. Ainda não. Mas era o começo de algo.
Por Ellie, ela abriu a porta.
Não totalmente. Apenas o suficiente. O suficiente para recomeçar.