**Dezessete anos. Maeve sobrevive ao acidente de carro que mata sua mãe, mas a verdade sobre aquela noite a assombra. Enviada para morar com um pai que ela mal conhece, uma madrasta que se esforça demais, e um irmãozinho que ela se recusa a conhecer… Maeve precisa decidir: continuará fugindo do passado ou finalmente enfrentará a verdade e encontrará seu lugar?**
Lembro da chuva. Fraca no começo, depois mais forte, tamborilando no para-brisa. Lembro do som da risada da minha mãe, meus dedos batucando distraidamente no volante enquanto eu contava sobre o Nate, o garoto que sentava duas fileiras à frente de mim na aula de química.
Lembro do jeito que ela olhou para mim, com um sorriso de canto de boca.
— Ele parece encrenca, Maeve.
E lembro dos faróis.
Muito perto. Muito rápido.
A próxima coisa de que me lembro é de gritar pela minha mãe.
Eu estava fora do carro. De alguma forma. Não me lembro de ter saído. Meus joelhos estavam cobertos de lama, minhas mãos manchadas de sangue que não era meu.
Mamãe estava deitada no asfalto, o corpo torto, os olhos semicerrados, olhando para o nada.
Gritei o nome dela até minha garganta arder. Tentei acordá-la, mas ela não se mexia.
Então… sirenes.
Mãos me puxando. Uma voz dizendo algo sobre um motorista bêbado.
Outra voz dizendo: “A mãe estava dirigindo.”
Ofeguei, tentei dizer que era eu… mas as palavras não saíam. O mundo girava, meu estômago se revirava, e então…
Escuridão.
Acordo numa cama de hospital. Uma névoa dolorosa preenche minha cabeça. Há uma enfermeira. Máquinas apitando. O murmúrio distante de vozes no corredor.
Minha garganta está seca. Meus membros parecem estranhos. A porta se abre, e eu espero ver minha mãe. Por um segundo horrível e breve, acho que talvez tudo tenha sido um sonho.
Mas então meu pai entra.
Thomas.
Ele parece mais velho do que eu lembrava. A última vez que o vi foi… no Natal? Dois anos atrás? Não me lembro.
Ele se senta ao lado da cama, hesitando antes de colocar uma mão áspera e estranha sobre a minha.
— Oi, querida — ele diz.
E, naquele instante, eu sei que isso não é um sonho.
Ela se foi mesmo.
**Duas semanas depois**
Acordo numa casa que não parece minha.
Julia está na cozinha, cantarolando. O cheiro de algo terroso e vagamente doce paira no ar. Olho para a tigela que ela coloca à minha frente.
Aveia, coberta com sementes de linhaça e mirtilos.
— Coloquei algumas sementes de cânhamo — ela diz, como se isso fosse normal. — Sementes de cânhamo fazem bem, querida.
Como se minha mãe não estivesse morta e eu não tivesse sido jogada nessa casa com suas paredes bege sem graça e um bebê que mal conheço.
Pego a colher. Olho para ela. Coloco de volta.
Julia observa, colocando um fio de cabelo atrás da orelha.
— Sem fome, meu bem?
Estou com fome. Morrendo de fome, na verdade. Mas não quero isso. Quero waffles gordurosos de lanchonete. Quero ir ao Sam’s Diner com minha mãe à meia-noite, dividindo panquecas e rindo do cara que sempre dorme na cabine seis.
Em vez disso, balanço a cabeça e empurro a tigela para longe.
Julia hesita, então desliza uma bolinha de proteína pela mesa. É alguma mistura caseira de tâmaras e aveia. O ramo de oliveira dela, talvez? Não aceito.
— Maeve — ela suspira. — Seu pai já volta. Foi comprar fraldas para…
Levanto antes que ela termine. Não quero ouvir mais. Não quero saber mais.
**Tribunal**
Fico em frente ao espelho, cercada por um monte de roupas jogadas. O primeiro vestido é formal demais. O segundo me faz parecer uma criança. O terceiro é apertado demais, errado demais, muito “não eu”.
O que se veste para assistir ao julgamento do homem que matou sua mãe?
Pego uma blusa preta simples. Lembra o dia do funeral dela. Como eu sentei na cama, cercada por cada peça de roupa preta que possuía, experimentando e arrancando todas.
Nada parecia certo. Nada me deixava pronta para enterrá-la.
Lembro de ficar em frente ao espelho naquela manhã, encarando meu reflexo com os olhos inchados. Minhas mãos tremiam ao abotoar uma blusa de cetim que nunca tinha usado. Mamãe teria dito que isso não importava.
— Eles vão estar ocupados demais olhando para esse sorriso lindo — ela diria. — Ou para esse cabelo maravilhoso.
Mas eu não estava me vestindo para eles. Estava me vestindo para ela.
Agora, fecho os mesmos botões com dedos que ainda tremem.
Quero justiça. Quero que Calloway pague. Mas, no fundo da mente, a culpa sussurra: eu não o vi a tempo.
Fecho os olhos com força. Tento respirar.
Então pego meu blazer, endireito os ombros e saio.
Justiça primeiro. Culpa depois.
A sala do tribunal está fria demais, e o banco embaixo de mim é duro. O homem sentado do outro lado, o que matou minha mãe, encara as próprias mãos.
Seu terno está amarrotado. A barba por fazer. Ele não parece arrependido.
Calloway.
Ele estava bêbado. Já havia perdido a carteira uma vez. Não deveria estar dirigindo.
Quero que ele me olhe. Quero que veja o que fez.
O advogado diz meu nome. Minha garganta aperta quando dou um passo à frente. A sala gira um pouco quando me sento. Meu pulso martela nos ouvidos.
— Pode nos contar o que aconteceu naquela noite, Maeve?
Eu devia dizer que não lembro do impacto. Que estávamos falando de bobagens… sobre garotos e pizza e a chuva, até os faróis surgirem.
Mas, em vez disso, engulo em seco e inspiro.
— Estávamos indo para casa. Então ele nos atingiu — digo.
Espero pela próxima pergunta. Mas não vem do meu advogado. Vem do dele.
Uma mulher de olhos afiados e voz ainda mais cortante.
— Maeve, quem estava dirigindo?
Fico imóvel. Há uma pausa. Longa demais.
— Sua mãe, correto? — Ela inclina a cabeça.
Não digo nada. Apenas aceno. Mas algo muda dentro de mim.
Uma lembrança.
As chaves na minha mão. A sensação do volante sob meus dedos. Os faróis.
Meu Deus. Não. Isso não está certo. Está?
A lembrança voltava. A névoa no cérebro se dissipando… de repente, os verdadeiros eventos voltavam à tona. Tudo estava nebuloso desde que saí do hospital. Eu estava focada na perda da minha mãe, não no acidente…
Olho para meu pai. Sua testa se franze. Ele se inclina ligeiramente, confusão passando por seu rosto. Quero correr. Quero sumir.
— Eu não sei… — escapa dos meus lábios, tão baixo que nem sei se alguém ouve.
**A Verdade**
Naquela noite, estou sentada no meu quarto, encarando o teto. O ar é espesso, sufocante. Mas a lembrança não me deixa.
Agora eu vejo. Claro como o dia.
Mamãe sorrindo ao me entregar as chaves.
— Você me arrastou para te buscar, Mae — ela disse. — Então você dirige, pequena. Estou cansada.
O calor do couro sob minhas mãos. Rindo juntas. A chuva ficando mais forte…
E então, aqueles faróis.
Eu estava dirigindo. Fui eu.
Um frio horrível me invade. Sinto que vou vomitar.
Encontro meu pai na sala. Ele levanta os olhos do sofá, olhar cansado, um copo com algo âmbar na mão.
— Preciso te contar uma coisa — digo.
Ele assente lentamente. Espera.
— O que foi, Maeve?
Sento em frente a ele. As palavras se agarram à minha garganta.
— Eu estava dirigindo.
Ele não diz nada. Nem pisca.
Engulo em seco.
— Ela… ela me deixou assumir o volante. Estava cansada e, porque eu pedi pra ela me buscar, ela me deu as chaves… Estávamos falando sobre… a vida, e então a chuva começou, e eu não o vi, pai. Não o vi até que fosse tarde demais.
Minha voz falha. Minha respiração vem em ondas curtas e afiadas. Não consigo respirar.
O copo tilinta quando ele o apoia. Espero que ele grite. Que diga que foi minha culpa. Em vez disso, ele me abraça.
E eu desabo.
Os soluços vêm rápidos, violentos, sacudindo todo o meu corpo. Me encolho nele, o peso de tudo me esmagando. Seus braços apertam ao meu redor, e, pela primeira vez em anos, eu o deixo me segurar.
— Não foi sua culpa, Maeve — sua voz é áspera, carregada de algo que nunca ouvi antes. — Não foi sua culpa.
Quero acreditar. Deus, como quero acreditar.
— Vai dormir, Maeve — diz meu pai. — Dorme um pouco, e a gente conversa amanhã.
Ouvimos Julia na cozinha. Provavelmente fazendo mais bolinhas de proteína.
— Tá bom… pai — murmuro, e me afasto.
Paro no alto da escada. Abaixo, a luz da cozinha se derrama pelo corredor, um brilho amarelo suave contra a escuridão. Ouço vozes, baixas e cansadas.
Meu pai e Julia.
Chego mais perto. Não devo ouvir. Eu sei que não devo. Mas então…
— Ela me contou, Jules — ele diz. — Ela estava dirigindo.
Paro de respirar. Um frio cortante se espalha dentro de mim, como gelo nas veias.
Silêncio.
Depois, o tilintar suave de uma colher na cerâmica. Provavelmente o kombucha da Julia. Ela toma toda noite, jura que ajuda na digestão. Não sei por que foco nisso, exceto que é mais fácil do que focar no que meu pai acabou de dizer.
— Mara deu a ela as chaves — ele continua. Sua voz é áspera, como se não dormisse. — Maeve estava fora. Pediu pra mãe buscá-la na casa de uma amiga.
Há uma longa, pesada pausa.
— Se ela não tivesse pedido… se Mara tivesse simplesmente dirigido até em casa…
Ele não termina.
Meus dedos se fecham no corrimão. Minhas unhas cravam na madeira. Já tive esse pensamento mil vezes. Se eu não tivesse ligado. Se eu não tivesse precisado de carona. Se eu não tivesse entrado naquele carro…
Julia fala com cuidado, como se escolhesse cada palavra com delicadeza.
— Você não pode pensar assim, Thomas — ela diz.
— Não posso? — ele rebate.
Uma risada amarga. O som de uma cadeira raspando.
Meu pai solta um suspiro, longo e pesado. Como se algo dentro dele estivesse se partindo.
— Eu olho pra ela e… Olha, eu amo ela, eu amo. Mas ela é… uma estranha pra mim, Julia.
Minha respiração falha. Já perdi um dos pais. Mas ouvir meu pai falar assim… me faz sentir que estou prestes a perder o outro também.
— Compartilhar um aniversário a cada dois anos? Um Natal? Isso não é ser pai… Isso é um… — sua voz falha. — Eu não estive lá pra ela.
As palavras me acertam como um soco no estômago. Apoio a testa na parede. Meu peito dói. Meu pai me ama…