Depois de ser libertada da colónia em liberdade condicional, sem ter para onde recorrer, seguiu o endereço errado—e acabou por passar a noite na casa de um estranho.

Histórias interessantes

— Você colocou sal demais de novo — disse Nadezhda Petrovna, afastando a tigela de borscht com um suspiro. — Na minha idade, comida assim é sabotagem pura.

Valeria apertou o guardanapo debaixo da mesa. Aquele borscht tinha lhe tomado três horas para preparar.

— Desculpe, vou ter mais cuidado da próxima vez — sussurrou Valeria.

— Desculpa não vai fazer essa bagunça ficar melhor — disse a sogra, tirando um pacote da bolsa. — Aqui, trouxe algumas almôndegas. Pelo menos dê algo para seu filho comer depois do trabalho!

Igor trocou um olhar rápido com Valeria e sorriu calorosamente para a mãe.

— Obrigado, mãe, mas na verdade eu gosto do borscht da Lera.

— Claro que gosta. Você sempre foi muito bonzinho. Lembra como a Katyusha fazia goulash? Sua turma toda corria para provar!

Valeria respirou fundo, segurando as palavras que quase escapavam. Cada refeição em família se tornava um lembrete da maravilhosa Katyusha, que cozinhava melhor, ganhava mais e era a dona de casa perfeita.

— Falando em trabalho — Nadezhda Petrovna virou-se para Valeria. — Sua diretora estava reclamando ontem na loja que a vice-diretora estragou completamente os professores. Diz que os jovens só pensam em si mesmos e os alunos ficam largados.

— Não temos diretora, Nadezhda Petrovna. Temos um diretor — Pyotr Andreyevich — Valeria mexeu calmamente no chá. — E não ouvi falar de problemas no trabalho.

— Ah, não me diga isso! — a sogra acenou com as mãos. — Minha amiga Zinaida Nikolaevna foi professora por quarenta anos. A turma dela sempre estava na mais perfeita ordem. Agora estão contratando qualquer um por anúncios…

A campainha interrompeu o monólogo. Valeria levantou-se da mesa, aliviada por poder sair da cozinha, mesmo que por um minuto.

— Uma carta para Valeria Mikhailovna Sokolova — disse o carteiro, entregando um envelope. — Assine aqui, por favor.

Valeria voltou para a cozinha com a carta na mão.

— Agora o quê? Contas, provavelmente — Nadezhda Petrovna pegou um prato limpo da prateleira.

Valeria abriu o envelope. Seus olhos passaram pelas linhas… uma segunda vez… uma terceira… Tudo ficou turvo diante dela.

— Lerusya, o que foi? — Igor tocou seu ombro preocupado.

— Tia Zoya faleceu — Valeria entregou a carta a ele. — O notário escreve que ela… deixou uma herança para mim.

— Eu pensei que você não tinha mais parentes — Nadezhda Petrovna apareceu instantaneamente ao lado deles. — O que sua tia fez? Provavelmente deixou dívidas?

— Ela dava aula no conservatório — Valeria olhou para a carta confusa. — A gente raramente se falava…

Igor leu a carta, os olhos se arregalando cada vez mais.

— Quinze milhões de rublos?! — exclamou.

Nadezhda Petrovna agarrou a carta.

— Deixe eu ver! Isso não pode ser! Pense bem! Onde uma professora de música conseguiria tanto dinheiro?

— Tia Zoya publicou vários guias didáticos — Valeria falou como se estivesse sonhando. — E tinha alunos particulares… Mas eu não fazia ideia…

Igor pulou e abraçou a esposa.

— Agora não vamos mais precisar alugar apartamento! Imagine, podemos comprar o nosso próprio!

Nadezhda Petrovna dobrou a carta.

— Não se apresse, filho. Primeiro, precisa provar que esse dinheiro realmente existe. Nunca se sabe o que escrevem por aí! E além disso, precisa de um bom assessor financeiro. Valeria não entende nada de dinheiro.

Igor sorriu tão largo que parecia que o rosto ia rachar.

— Mãe, a gente vai se virar.

Valeria sussurrou,

— E se for um engano? Talvez a tia tenha mudado o testamento… ou…

— Não, está tudo bem claro aqui — Igor releu a carta. — O notário Gromov está te esperando no escritório. O endereço e telefone estão aí. É oficial!

Valeria olhou para o marido, sem conseguir acreditar. Quinze milhões de rublos. O próprio apartamento. Nada mais de visitas “aleatórias” da sogra verificando a limpeza das prateleiras.

— Acho que você deveria tomar cuidado — Nadezhda Petrovna apertou os lábios. — Tem tanto golpista por aí hoje em dia! Posso ir com a Valeria ao notário. Afinal, tenho mais experiência de vida.

— Não precisa se preocupar. Eu mesmo vou cuidar da herança da minha tia.

A visita ao notário confirmou a informação da carta. Valeria realmente herdou uma grande quantia da tia Zoya. No caminho para casa, não parava de pensar nas novas oportunidades que se abriam.

— Lerochka! Venha rápido — Nadezhda Petrovna estava na porta do apartamento alugado deles, segurando uma bandeja com uma torta recém-assada. — Decidi te presentear com a minha receita especial.

Valeria congelou na porta. A sogra nunca a chamava com carinho e certamente nunca a recebia com comida.

— Olá, Nadezhda Petrovna — Valeria entrou cautelosamente no apartamento, sentindo uma armadilha. — Onde está o Igor?

— Ele ainda está no trabalho — a sogra se apressou a colocar as xícaras na mesa. — Como foi a reunião com o notário? Está tudo confirmado?

Valeria assentiu, tirando o casaco.

— Sim, tia Zoya realmente deixou uma herança para mim.

— Maravilha! — a sogra bateu palmas alegremente. — Sabe, sempre disse ao Igor que você é uma garota inteligente. Com essa cabeça, você vai longe!

Valeria piscou, tentando entender aquela mudança repentina.

— Mas você costumava achar que minha profissão não tinha futuro…

— Eu? De jeito nenhum! — Nadezhda Petrovna balançou as mãos. — Eu só estava preocupada com vocês. Jovem família, apartamento alugado… Mas agora vai dar tudo certo!

A porta bateu com força e Igor entrou com um enorme buquê de flores.

— Você já está em casa! — Ele abraçou Valeria com força. — Então é verdade?

— É verdade — Valeria assentiu. — O dinheiro vai cair na conta em alguns dias.

— Eu sabia! — Igor a rodou pela sala. — Olha o que eu trouxe!

Ele tirou uma revista de carros brilhante da pasta.

— O Toyota Camry é uma ótima opção, mas estou mais inclinado para um BMW. A nova série deles está demais! — Igor folheava as páginas animado. — O Sergey e eu discutimos o almoço inteiro sobre qual comprar!

— Um carro? — Valeria olhou surpresa para o marido. — Mas queríamos o nosso apartamento…

— Claro — Igor concordou. — Mas uma parte pequena do dinheiro para um carro decente… Para poder visitar os apartamentos, por exemplo!

— Eu disse que meu filho sempre sonhou com um bom carro — Nadezhda Petrovna falou, cortando a torta. — Um homem digno deve dirigir um carro digno!

Assim começou um novo capítulo na vida da família. Nadezhda Petrovna apareceu no apartamento quase todo dia, sempre com um agrado ou um presente. Igor fez uma lista de compras que incluía não só o carro, mas também uma viagem para a Europa, móveis novos e um home theater.

— Querida, sua pele parece cansada — Nadezhda Petrovna examinava o rosto de Valeria cuidadosamente no café da manhã. — Te inscrevi para uma massagem facial. Agora, com seu dinheiro, precisa cuidar de si mesma!

— Obrigada, mas eu não pedi isso — Valeria empurrou a xícara para o lado. — E o dinheiro ainda não chegou. Não vale a pena planejar gastos antes.

— Ah, qual é — Igor acenou com a mão. — A mãe só está cuidando de você!

— E também pensei em reformar seu apartamento — continuou a sogra. — Minha vizinha Zinaida Nikolaevna conhece um ótimo designer. Ele cobra pouco e deixa igualzinho nas revistas!

Valeria lembrou,

— Mas estamos alugando esse apartamento. Qual o sentido de investir em reformas?

A sogra se aproximou.

— Ah, não quis dizer esse. Quero dizer o nosso futuro apartamento. Achei uma ótima opção. Três quartos, segundo andar.

Valeria congelou.

— Nosso?

— Claro! — Nadezhda Petrovna bateu palmas. — Você não pensa que vou te deixar sozinha com tanto dinheiro, né? Jovem, inexperiente… Você precisa de bons conselhos familiares. E eu estou me aposentando; vou ajudar a administrar a casa.

Igor concordou feliz, apoiando a mãe. Nesse momento, o celular de Valeria tocou.

— Os fundos foram creditados na sua conta — anunciou uma voz impessoal do banco. — Confira as informações no aplicativo móvel.

Igor e Nadezhda Petrovna a olharam com expectativa escancarada.

— O dinheiro chegou — Valeria disse baixinho.

— Ótimo! — Igor levantou-se pulando. — Vou visitar a concessionária hoje!

— Espera — Valeria levantou a mão. — Sem pressa. Quero pensar bem antes.

— O que tem para pensar? — Igor riu. — Temos dinheiro, podemos comprar tudo que sempre sonhamos!

— Exatamente — apoiou Nadezhda Petrovna. — Mas aconselho guardar uma parte para o futuro. Abra uma aplicação no meu nome para o dinheiro render.

Valeria balançou a cabeça lentamente.

“Eu quero administrar a herança eu mesma. Esse dinheiro pertence à minha tia, e não vou gastá-lo em carros nem abrir depósitos em nome de outra pessoa.”

Nadezhda Petrovna fechou os lábios com ressentimento.

“Que criatura ingrata você é! Eu estou me esforçando aqui, fazendo tortas, dando conselhos…”

“Exatamente por isso,” Valeria levantou a voz, “você nunca me tratou com carinho. Durante cinco anos ouvi como sou uma esposa inútil. E agora, de repente, sou a ‘querida Lerochka’!”

Alguns dias depois, Nadezhda Petrovna apareceu na porta com um enorme catálogo de concessionárias.

“Olha, Igoriesha,” sua sogra folheou as páginas brilhantes. “Sua esposa inteligente pode comprar qualquer uma dessas belezas. Está ao alcance dela!”

“Mãe, não começa,” Igor suspirou. “A Lera disse que quer pensar melhor.”

“O que tem pra pensar?” Nadezhda Petrovna jogou as mãos para o alto. “Sua esposa é puro ouro! Tão inteligente, tão generosa! Ela entende que um homem precisa de um carro decente.”

Valeria sentiu algo dentro dela se romper. Cinco anos de zombaria, e agora esse elogio hipócrita.

“Não vou te dar dinheiro! Para de puxar o saco!” Valeria respondeu, olhando direto nos olhos da sogra.

Um silêncio pesado pairou na sala. Nadezhda Petrovna empalideceu, depois seu rosto se contorceu de raiva.

“Como você ousa!” sua sogra se levantou, cerrando os punhos. “Ingrata! Egoísta! Meu filho fez tudo por você durante cinco anos, e você…”

“Ele não fez nada por mim,” Valeria interrompeu. “Eu trabalhei junto com ele, suportei suas zombarias e abusos!”

“Lera, o que você está dizendo?” Igor se aproximou da mãe. “Esse é dinheiro da família! Somos marido e mulher, tudo deveria ser igual!”

“Igual?” Valeria sorriu com desdém. “Cadê a igualdade quando sua mãe me chamou de professora inútil? Ou quando ela lavou meus pratos porque eu ‘não sei manter as coisas limpas’?”

Valeria abriu o armário e pegou uma mala. Meticulosamente, começou a arrumar suas coisas.

“O que você está fazendo?” Igor perguntou, confuso.

“Indo embora,” Valeria respondeu calmamente. “Para a Kristina. Vou passar a noite lá e amanhã procuro um lugar.”

“Você não pode ir embora!” Nadezhda Petrovna gritou. “E a família? E o Igor?”

“E o Igor?” Valeria fechou a mala. “Durante cinco anos, vivi com um homem que não conseguiu me proteger da própria mãe. Que agora só pensa em como gastar meu dinheiro.”

Valeria se dirigiu à porta. Atrás dela estavam gritos e ameaças. Mas Valeria não ouviu mais nada.

Logo Valeria se mudou para um apartamento novo. As mensagens de Igor foram ficando cada vez mais raras. À sua frente estava uma nova vida — sem relacionamentos tóxicos, sem inspeções constantes e humilhações. Com dinheiro ou sem dinheiro, mas agora ela estava verdadeiramente livre.’

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