Eles levaram o cão para a floresta e amarraram-no a uma árvore, convencidos de que ele teria ido embora para sempre

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O cão não entendia por que havia sido levado tão longe de casa, nem por que fora amarrado a uma árvore.

Antes, costumavam deixá-lo preso na coleira do lado de fora de uma loja ou farmácia — ele esperava calmamente, sabendo que logo voltariam.

Mas ali — só floresta, nenhuma pessoa, nenhuma estrada, apenas o farfalhar dos pinheiros e os mosquitos zunindo perto da orelha.

Ele ainda não havia compreendido o que estava acontecendo quando ouviu a voz de seu dono — fria, cortante, cheia de uma raiva que ele não entendia:

«Ele é perigoso. Quase matou a nossa Mia! Não tenho pena dele.»

O homem hesitava. Mesmo no carro tentou argumentar:

«Talvez tenha sido um mal-entendido… Não devíamos fazer isso…»

Mas a mulher estava irredutível. Desde de manhã, decidira firmemente se livrar do cão, culpando-o.

Exigia punição severa, e agora não bastava apenas abandoná-lo longe — ela queria Roger fora de suas vidas para sempre.

No início, o cão sentou-se calmamente como sempre, até abanou o rabo.

Ele achava que era apenas um passeio longo. Eles tinham ido resolver alguma coisa e logo voltariam.

Mesmo quando ouviu o barulho do motor desaparecendo à distância, pensou: “Eles vão voltar. Só preciso esperar.”

O homem o amarrou firmemente à árvore, coçou sua orelha, deixou a mão repousar em sua cabeça por um momento — como se fosse uma despedida — e caminhou até sua esposa.

Duas silhuetas desapareceram lentamente na floresta — as mesmas pessoas que ele antes chamava de família.

Roger olhou ao redor. Farejou cuidadosamente e ouviu os sons da mata.

De vez em quando, pequenos animais passavam correndo, e ao longe corvos grasnavam. Quando um coelho apareceu, Roger até latiu alegremente — como se nada tivesse acontecido.

Mas à noite, a verdade ficou clara: a fome vem primeiro. Depois, a sede. Depois, o frio. E o medo.

A pele sob a coleira já começava a sangrar. Tentou se soltar, puxando de um lado para o outro, mas a corrente era forte. A pequena área onde foi deixado tornou-se sua prisão. Cada passo em círculo tornava-se dolorosamente familiar.

Ele até inventou um jogo: dar voltas ao redor da árvore no sentido contrário — só para sentir que estava indo a algum lugar. Mas não adiantava.

Ao anoitecer, parou de resistir. Encolheu-se junto às raízes da árvore e soltou um uivo dolorido. Não de fome ou dor — mas de solidão. Da consciência de que ninguém viria.

Ele não era culpado. Nem um pouco. Ao contrário. Ele tinha salvado a menina.

Viu Mia, a bebê de um ano, subir num banquinho e tentar alcançar uma panela quente.

Ao ouvir o rangido e sentir o perigo, Roger avançou e derrubou o banquinho para que a criança não se queimasse.

Mas a mulher apenas viu a filha cair e os móveis revirados.

Achou que o cão tinha atacado a criança. Que estava com ciúmes da nova integrante da família.

E assim começou essa injustiça.

Ele amava todos eles. Amava quando Mia tentava tocá-lo, quando jogava colheres nele do cadeirão.

Ele aguentava, porque sabia: crianças não têm controle. Mas ele havia aprendido a ter.

Mia crescia diante de seus olhos. Já se equilibrava em pé, andava pela casa, explorava o mundo.

E Roger a seguia como uma sombra, protegendo-a de todo perigo. Era seu guardião invisível.

Mas bastou um segundo — e tudo mudou.

Naquele dia, após a queda, a mãe saiu correndo do banheiro e viu uma cena que interpretou ao seu modo:

“Ele derrubou ela! Prendeu ela sob o banco! Eu disse que ele era ciumento! Nunca devíamos tê-lo mantido dentro de casa!”

“Os joelhinhos dela estão todos ralados!” gritou com o marido, exigindo uma atitude. “Você tem que fazer alguma coisa!”

A ideia de abandonar o cão na floresta nasceu na mente furiosa dela.

Ela insistiu, chorou, imaginando uma ameaça onde havia um salvador.

“Eu vou com você,” declarou firmemente. “Precisamos garantir que ele não volte. E se atacar de novo?”

Roger não resistia mais. Apenas uivava, com a cabeça jogada para trás como um lobo numa noite sem lua. Sua voz soava com uma dor que ninguém jamais ouviria.

Ele estava quase inconsciente quando outra pessoa o encontrou — um garoto chamado Anton.

Para Anton, a floresta também se tornara um refúgio. Após uma tragédia no ano anterior, ele perdera o contato com o mundo ao seu redor.

Seu aniversário, um rojão que explodiu antes da hora — tudo terminou com uma terrível queimadura no rosto.

Os médicos diagnosticaram danos severos aos olhos. Retina, córnea — o prognóstico era sombrio.

Nas duas primeiras semanas, não enxergava nada. Depois, sua visão voltou parcialmente — como vultos escuros e manchas borradas. Tudo à sua volta parecia distante e estranho.

O som do choro de sua mãe no consultório ficou gravado para sempre:

“Pelo menos um ano será necessário para estabilizar o quadro.”

E a cirurgia — não garantia recuperação.

Tudo que antes dava sentido à vida de Anton — brincar com os amigos, jogos de computador, natação e escola — ficou no passado.

Um momento mudou tudo. Um garoto de treze anos, cheio de sonhos, perdeu a visão — e com ela, sua forma de viver.

Anton mudou visivelmente. Antes energético e alegre, tornou-se retraído, apático e irritado.

Descobriu que a maioria de seus interesses dependia da visão.

Sem ela, seu mundo se reduziu a sons e cheiros.

Ele adorava esportes, lia ficção científica, fazia aulas de programação para crianças.

Agora, estudaria em um internato especializado para deficientes visuais — uma nova realidade cheia de incertezas e solidão.

Um ano inteiro na escola não lhe trouxe amigos.

Em casa, evitava contato, passava o tempo ouvindo música, audiolivros ou apenas sentado na varanda, ouvindo os sons ao redor.

Recusou-se a ir para o acampamento de verão para crianças com deficiência visual, insistindo em ficar em casa.

O verão começou de forma silenciosa e sombria — Anton mal saía do apartamento.

Com muito esforço, sua mãe o convenceu a passar alguns dias no sítio da família.

“Pra quê? Não posso correr pela floresta nem ir ao rio,” protestou.

“Só dois dias. Estaremos por perto, vamos aonde você quiser, faremos tudo confortável.”

“Exatamente — ‘estaremos por perto’,” respondeu Anton, amargurado.

“Meus colegas andam sozinhos, e eu sou um inválido agora. Não sou mais como eles.”

O sítio ficava numa área pitoresca além do anel viário da cidade. Por causa de um desfiladeiro entre a estrada e o vilarejo, era muito silencioso ali. O chalé da família ficava na borda, depois do qual estendia-se uma floresta sem fim.

Quando criança, Anton adorava passeios para catar cogumelos.

Conhecia cada trilha e podia andar pela mata por horas. Até o acidente.

Agora só podia sentar no balanço que o pai instalara na beira da floresta, ouvindo o farfalhar das folhas, o canto dos pássaros e os murmúrios da mata.

Mas até isso se tornou entediante, e ele voltou aos fones de ouvido.

Com ajuda de um assistente de voz, escolhia músicas ou revia filmes favoritos que sabia de cor.

“Droga, o celular descarregou de novo!” murmurou frustrado. “Como alguém consegue controlar a bateria sem enxergar?”

Tirou os fones, pegou sua bengala branca e foi até a casa buscar o carregador.

Mas então ouviu um estranho uivo vindo da floresta. Anton parou.

A princípio, parecia apenas o vento nas árvores. Mas um minuto depois, o uivo se repetiu — longo e lamentoso.

No último ano, sua audição tornara-se incrivelmente aguçada. Aprendera a distinguir sons e estimar de onde vinham.

Aproximadamente, o som vinha de uns 45 metros.

Se seguisse um caminho familiar, poderia chegar até a clareira. “Posso verificar rapidinho e voltar. Conheço bem essa área,” decidiu Anton e, com a bengala, começou a andar devagar.

A floresta era escura, silhuetas se misturando em manchas.

Precisava sentir o chão com a bengala para não se perder. Mas alcançou a clareira com segurança, onde conseguia distinguir contornos vagos.

Ouviu em silêncio, esperando o uivo, mas tudo estava quieto, exceto pelo farfalhar das folhas.

Mas a poucos passos dali jazia o cão desmaiado, faminto e fraco — Roger, perdendo as últimas forças.

Para se orientar, Anton se virou e sentou na grama. Foi então que ouviu uma respiração fraca, como um assobio.

“Será um lobo?” pensou. O som vinha da direita, a poucos metros. Focando a audição, percebeu uma forma invisível.

Com coragem, o menino engatinhou até lá e sentiu o pelo do animal, depois a coleira cortando a pele. O cão não se mexia.

Anton sentiu a coleira e percebeu que o cão estava preso à árvore.

Tentou soltá-lo com as mãos, sem sucesso. Então lembrou do canivete que sempre carregava.

Com cuidado, cortou a corda, enrolou a guia restante e ergueu o cão com delicadeza.

Precisava segurar a bengala com uma mão.

Um pouco desorientado, mas tentando manter o equilíbrio, Anton começou a andar pela borda da clareira, procurando o caminho de volta.

A volta levou muito mais tempo do que a ida.

Enquanto isso, seus pais, preocupados com a demora, já estavam procurando o vilarejo inteiro.

Em casa, Anton deitou o cão exausto no quintal. A primeira coisa que Roger sentiu ao acordar foi uma mão cuidadosa trazendo água à sua boca.

Aquele momento se tornaria sua memória mais calorosa.

“Posso ficar com ele?” Anton perguntou quando o cão começou a comer de sua mão.

“Claro, meu amor. Você o salvou. Como ele poderia ficar sem você agora?”

O nome “Roger” estava bordado na coleira, então permaneceu o mesmo.

O cão se adaptou rapidamente à nova casa e tornou-se um verdadeiro apoio e amigo leal para o menino.

Durante o verão, Anton mudou visivelmente. Voltou a ser alegre e ativo. Sua mãe não conteve as lágrimas ao ver, pela primeira vez desde o acidente, um sorriso genuíno no rosto do filho.

Agora Anton podia andar pelo quintal com Roger, jogar bola com ele.

O cão conhecia vários comandos e era incrivelmente inteligente.

Mas o mais importante — Roger tinha um instinto natural.

Se o menino se aproximava demais de um degrau ou meio-fio, o cão o puxava bruscamente para o lado, impedindo a queda, e enfiava a cabeça sob sua mão.

Com Roger ao lado, preso na guia, Anton sentia-se confiante.

Podia andar livremente, usando a bengala com a outra mão. O cão nunca puxava ou corria, mas escolhia com cuidado o caminho seguro, parando em lugares perigosos — como a beira de uma calçada.

Seus pais até consideraram treiná-lo como cão-guia, mas logo perceberam que não era necessário — o vínculo e a intuição entre os dois eram mais fortes do que qualquer treinamento.

Ao fim do verão, os médicos decidiram pela cirurgia, e parte da visão de Anton foi restaurada.

Ao sair da sala do hospital, seu primeiro pensamento foi:
“Então é assim que o Roger se parece.”

Ele havia memorizado cada traço com o tato — mas nunca o tinha visto com seus próprios olhos.

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