Quando vi meu irmão passeando em um conversível vermelho reluzente, soube que havia algo errado. Mal sabia eu que aquele carro guardava a chave de uma traição que eu nunca vi chegando — e de um plano que a vovó havia colocado em ação muito antes de partir.
Meu nome é Juniper. Tenho 26 anos agora e moro fora do estado há quatro anos. Sinceramente, foi a melhor decisão que já tomei: me afastar da minha família e de toda a dor que veio junto.
Nunca senti que fazia parte deles. Meus pais sempre favoreceram meu irmão mais velho, Maverick. Dá pra dizer que ele era o “filho de ouro”, mas isso nem começa a cobrir. Crescendo, eu era apenas… aquilo. A «reserva», como a vovó costumava brincar, embora sempre houvesse ternura em sua voz ao dizer isso.
Foi parte do motivo pelo qual fui embora. Bem, isso e o Noel — meu namorado. Ele me convenceu de que era hora de viver por mim mesma, de criar algo fora das sombras da minha família.
Arrumamos nosso carrinho e me mudei com ele para a cidade, longe dos meus pais, de Maverick e de todas as lembranças.
— Noel, juro, eu simplesmente não podia mais ficar lá — disse para ele uma vez, durante o jantar. Ainda me lembro de como ele sorriu para mim do outro lado da mesa, estendendo a mão para pegar a minha.
— Você não precisa se explicar de novo, June. Você fez a coisa certa — ele me tranquilizou, apertando minha mão. — Você merece mais do que ser a segunda opção.
Mesmo depois de quatro anos distante, mal falava com minha família. As ligações ficaram raras, e mensagens, uma formalidade esporádica. Meus pais? Para ser sincera, nem pareciam se importar. Era como se eu tivesse simplesmente desaparecido da vida deles. A única que mantinha contato era a vovó.
Ela era a única pessoa da família que me fazia sentir que eu importava. Quando eu era pequena, ela me dava barras de chocolate escondidas quando minha mãe não estava olhando ou me ligava tarde da noite só para saber como foi o meu dia.
Vovó não se importava se era entediante ou se minha vida parecia uma bagunça. Ela apenas ouvia.
E então, um dia, descobri que ela havia morrido. Por acaso. Nenhuma ligação, nenhuma mensagem, nada. Dá pra acreditar? Eu estava rolando o feed do Facebook, de todos os lugares, e vi uma postagem de um velho amigo da família. Foto da vovó. Uma data e um “Descanse em Paz”.
Fiquei sem ar. Olhei para o celular esperando que as coisas fizessem sentido, mas não faziam. Meu coração parecia ter sido arrancado do peito.
Deixei o celular cair na mesa, me levantei e murmurei:
— A vovó se foi.
Noel olhou do sofá.
— O quê? Como assim ela se foi?
— Ela morreu. Ninguém sequer me avisou. — Eu sentia as lágrimas queimando, mas era mais do que tristeza; era raiva, talvez até traição. — Como eles puderam não me contar?
Noel se levantou num segundo e me puxou para um abraço, mas nada fazia sentido. Por que meus pais não me ligaram? Nem mesmo Maverick. Nada.
Comprei uma passagem de avião naquela mesma noite.
Não me importava com o que custasse — eu precisava visitar o túmulo da vovó. Precisava me despedir, ao menos do meu jeito. Na manhã seguinte, eu já estava andando pela minha cidade natal, o lugar que não via há anos, o lugar do qual tanto lutei para escapar. Tudo estava como eu lembrava, exceto uma coisa.
Pisquei, atônita. “O… quê?”
Enquanto eu estava na esquina perto do cemitério, vi algo que fez meu sangue gelar. Meu irmão, Maverick, passando em um conversível vermelho reluzente.
Maverick? Aquele que ainda trabalhava como caixa, que mal conseguia pagar as contas? Ele estava dirigindo um carro que parecia custar mais do que todas as economias dele.
Meu estômago revirou. Tinha algo errado.
Mais tarde, naquele dia, eu estava parada diante do túmulo da vovó, com o som suave das árvores ao redor. A terra ainda estava fresca, e eu não conseguia me livrar do nó no estômago. A vovó realmente se foi. Eu não consegui me despedir de verdade: não tive chance de dizer o quanto ela significava pra mim.
A dor de descobrir sobre sua morte por uma postagem no Facebook ainda doía como uma ferida aberta.
Enquanto eu me ajoelhava ao lado do túmulo, ouvi passos se aproximando. Levantei os olhos e vi o Sr. Anderson, o melhor amigo da vovó. Um senhor bondoso, sempre por perto, ajudando com tudo o que ela precisava. Seu rosto estava sério quando se aproximou.
— Juniper, sinto muito — ele disse suavemente, parando ao meu lado. — Sua avó… ela era uma senhora única.
Engoli em seco. — Ela realmente era. Só queria ter tido mais tempo com ela.
Ele assentiu, o olhar distante. Depois de um momento em silêncio, virou-se para mim e perguntou:
— Você recebeu os vinte mil dólares que ela deixou pra você?
Pisquei, chocada. — Os… o quê?
A testa do Sr. Anderson se franziu. — Sua avó. Ela mencionou no testamento que deixou vinte mil dólares separados pra você. Presumi que você soubesse.
Meu coração despencou. De repente, o conversível vermelho de Maverick fazia todo o sentido. A raiva que estava apenas fervendo dentro de mim agora transbordava. — Não — murmurei, levantando-me, os punhos cerrados ao lado do corpo. — Eu não sabia.
O rosto do Sr. Anderson empalideceu. — Oh, Juniper, sinto muito.
Mas eu já não ouvia mais. Eu precisava ir até o trailer do Maverick. Agora.
Voltei furiosa para o carro, a mente a mil. Maverick, que nunca conseguiu manter um emprego estável, de repente dirigia um carro chamativo, e eu nem pensei duas vezes. Claro que era o meu dinheiro. O dinheiro que a vovó deixou para mim — a única pessoa da família que realmente se importava — e ele o roubou sem pensar duas vezes.
Quando estacionei em frente ao trailer de Maverick, estava pronta para um confronto total. Mas o que vi me fez parar na hora. Lá estava o conversível vermelho, todo amassado na entrada, completamente destruído.
O para-choque estava quebrado, o para-brisa estilhaçado, e os pneus pareciam murchos. Parecia que o carro havia sofrido um acidente sério.
E lá, parado na porta de seu trailer caindo aos pedaços, estava Maverick. Ele se apoiava em muletas, uma perna engessada, o rosto machucado, cheio de cortes e hematomas.
O karma já havia alcançado ele.
Me aproximei, minha raiva momentaneamente substituída pelo choque. — Maverick, o que diabos aconteceu?
Ele se remexeu desconfortável nas muletas, desviando o olhar. — Não foi nada…
— Nada? — apontei para o carro destruído. — Isso não parece nada. O que você fez? E por que pegou o dinheiro da vovó, Maverick?
Ele fez uma careta, sabendo que não dava mais pra escapar. — Eu não queria que fosse assim, Juniper. Eu… só pensei em pegar emprestado. Ia te pagar. Mas aí vi aquele carro e…
— “Pegar emprestado”? — repeti, incrédula. — Você não simplesmente “pega emprestado” vinte mil dólares que não foram deixados pra você. A vovó deixou esse dinheiro pra mim, e você pegou como se não fosse nada. E agora olha pra você. Isso é o karma, Maverick. É o que você merece.
Maverick abriu a boca para protestar, mas eu não tinha terminado. — Você sempre pegou tudo. A atenção dos meus pais, o carinho deles: tudo sempre foi sobre você. Mas isso? Isso era diferente. Era da vovó, a única que realmente se importava comigo, e você roubou.
Maverick abaixou a cabeça. — Eu estraguei tudo, tá bom? Eu pensei…
— Pensou o quê? — cortei. — Que eu não descobriria? Que eu não merecia o que a vovó deixou pra mim?
Ele não teve resposta. Ficamos ali em silêncio, o peso de tudo pairando no ar. Então, bem quando eu estava prestes a virar as costas e ir embora, meu celular vibrou no bolso. Era o Sr. Clearwater, o advogado da vovó.
— Sr. Clearwater? — atendi, com os olhos ainda fixos em Maverick.
— Juniper, estive revisando o testamento da sua avó — disse ele. Sua voz era calma e firme, como se soubesse que eu precisava de consolo. — Há algo que você precisa saber. Sua avó previu que isso poderia acontecer.
— Como assim? — perguntei, o coração acelerado.
— Ela sabia que Maverick poderia tentar pegar o dinheiro, então ela preparou um plano. Os vinte mil dólares eram só uma parte do patrimônio. O restante — a casa dela, as economias, os investimentos — tudo é seu, Juniper. Ela deixou tudo para você.
Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo. — Tudo?
— Sim, tudo — confirmou o Sr. Clearwater. — Sua avó foi muito clara. Ela queria garantir que você estivesse amparada, que não precisasse depender de ninguém.
As lágrimas arderam nos meus olhos, mas não eram apenas de tristeza. A vovó sabia. Ela viu tudo isso vindo e me protegeu do jeito que só ela sabia. Mesmo depois de morta, ela ainda cuidava de mim: ainda me mostrava que eu importava.
Respirei fundo, me recompondo enquanto olhava para Maverick. — Espero que o conversível tenha valido a pena, Maverick. Espero que tenha aproveitado o passeio.
— Juniper, eu… — ele começou, a voz trêmula.
Levantei a mão, cortando-o. — Não. Cansei das desculpas, Maverick. Apenas guarde pra você.
Sem esperar resposta, me virei e fui embora, deixando-o parado ali, quebrado de mais de uma maneira. Pela primeira vez, não me senti como a irmã esquecida. A vovó cuidou disso.