O padre Mikhail ajeitou o hábito e lançou um olhar pela janela. O vidro estava coberto por um padrão de geada, através do qual mal se viam os contornos escuros dos abetos e a neve cinzenta que lentamente derretia sob os primeiros raios da primavera. Em Ledogorsk, essa época do ano sempre se estendia, como se a natureza hesitasse em cruzar a linha do inverno para a vida. A igreja estava vazia. O silêncio só era quebrado pelo estalar da lenha na lareira e pelo rangido da velha porta — era o vento frio que despertara.
O sacerdote estava em pé diante do analóio, folheando as páginas do missal. Embora soubesse cada palavra da missa de cor, ainda passava os dedos pelas linhas, como se buscasse apoio no toque. O funeral começaria em uma hora. Trazeriam uma mulher — solitária, sem parentes, sem cruz no peito. Casos assim são chamados de sociais: pessoas que ninguém notou em vida permanecem despercebidas após a morte. Mas suas mãos tremiam. Não por frio — ele sentiria isso. Era algo diferente. Ele só experimentara isso uma vez — quando, numa noite, ligaram do necrotério.
Sentou-se num banco junto à parede, respirou fundo e tentou ouvir seu próprio interior. Tudo parecia normal — mas por dentro tudo parecia diferente. Uma ansiedade profunda, sem motivo nem nome, estava alojada em algum lugar. Era como se não estivesse numa igreja vazia, mas diante de algo invisível, observando das sombras, esperando que ele se virasse. Seu coração batia rápido demais, seus pensamentos pulavam entre orações e algo distante, esquecido.
Quando se inclinou para fazer o sinal da cruz, o mundo ao redor mudou subitamente — não a escuridão, não, mas uma luz forte, hospitalar. O cheiro de antisséptico. O piso de azulejos sob os pés. E uma voz:
— Mikhail Lvovich, preciso da sua ajuda.
Ele não ouvia essa voz há muitos anos. Mas esquecê-la era impossível.
Mikhail levantou-se, caminhou lentamente até a janela. Do lado de fora, entre as árvores, apareceu um carro preto da funerária — velho, quase antiquado. O caixão ainda não tinha sido retirado, mas ele já sentia sua presença. A mulher que iria velar. E, por alguma razão, sabia: o serviço de hoje não seria apenas uma formalidade. Algo dentro dele se apertava, recusando a aceitar o inevitável.
O passado que ele tanto tentou enterrar estava voltando.
E junto com ele — ele mesmo, diferente, antigo. Não o padre Mikhail, não o sacerdote, mas o doutor Lvov. Cirurgião de mãos precisas e olhar pesado. Homem de coração vivo e de um filho perdido.
Tudo começou muito antes de ele vestir a batina.
Entrou na sala de cirurgia pela primeira vez como estudante, em estágio. Não sentiu medo — apenas certeza: aquele era seu lugar. Já naquela época segurava os instrumentos com firmeza, manuseava as pinças com destreza. O médico chefe disse: “O rapaz tem mãos firmes. Vai para a trauma”. E assim foi.
Ele não apenas se tornou cirurgião — tornou-se um dos melhores. No hospital, era respeitado até por aqueles que não respeitavam ninguém. Pela precisão, pela calma, por salvar aqueles que outros já tinham dado como perdidos.
Em casa, o aguardava Irina. Ela era o silêncio após o barulho do trabalho. Ouvia-o sem interromper, preparava o chá enquanto ele lavava o sangue das mãos, e não perguntava quando ele ficava em silêncio.
Mikhail raramente falava de amor — não havia romantismo nele, tudo era concreto: segurança, senso de dever, apoio. Mas quando ela engravidou, ele chorou pela primeira vez — silenciosamente, no corredor da emergência, entre jalecos e tubos médicos. Por muito tempo, nem ele nem Irina foram acreditados pelos médicos. Depois — veio a criança.
O parto foi difícil. Ele não tinha direito de interferir — nem ética, nem legalmente. Mas quis. Ficou atrás do vidro, viu que tudo dava errado. Luz vermelha. Hemorragia. Pânico. Amigos que se tornaram estranhos. Ele não entrou na sala de cirurgia. Sabia — já era tarde demais.
Irina se foi. Sobrou Lev.
No início, Mikhail tinha medo até de pegar o filho no colo. O segurava como um instrumento — firme, mas frio. Com o tempo, acostumou-se. Começou a viver para ele. Do trabalho, direto para casa. Nas mãos, sangue; na alma, Lev. O menino era claro, bondoso, com olhos maternos. Dormiam no mesmo quarto, iam ao mar, jogavam xadrez e liam antes de dormir. Mikhail não ensinava o filho a ser bom — apenas estava perto. E isso bastava.
Quando Lev entrou na academia, Mikhail não disse nada — apenas acenou com a cabeça. Mas em casa demorava a terminar o chá — as mãos tremiam.
— Quero ser cirurgião, como você. Só que, talvez, cuidar de crianças para que elas não tenham medo de mim — disse o filho uma vez.
Naquele momento, Mikhail entendeu: a coisa mais importante na vida ele fez certo — criou um ser humano.
Depois veio o outono. Úmido, pesado. Uma ligação telefônica. Voz policial. E — o fim.
Lev. Acidente de trânsito. Morte instantânea. No volante — a namorada dele, Daria. Bêbada.
Trouxeram-na para o mesmo hospital dele. Naquela noite. Inconsciente. Os médicos corriam. Esperavam por uma decisão. Mikhail ficou parado na porta, em silêncio. Depois tirou o jaleco. E foi embora.
— Não vou operá-la. Façam vocês.
Foi o fim da carreira. O fim de tudo.
Ele simplesmente desapareceu. Não fisicamente — mas da vida, da agenda. Passou um mês em casa, entre fotos, xícaras vazias, coisas esquecidas. Ninguém conseguia encontrá-lo — porque ninguém tentava.
Mikhail não percebia que estava saindo do mundo. Não sabia onde termina-se de ser médico, pai, ser humano. Apenas andava. Para onde — não importava.
Andou muito. Pela cidade — sem sentido, devagar, sem direção. Depois para fora dela — a pé, sem bolsa, sem objetivo. Dentro dele, tudo ficava mais silencioso. A memória se fragmentava: Lev na praia, Irina com o ferro, o grito da enfermeira na recepção. Ele não dormia. Quase não comia.
Um dia acordou na floresta. No chão, na lama. Era março. Não lembrava como chegou ali. Só sabia — não podia mais seguir. O corpo não obedecia. A alma — já tinha parado.
O encontraram no mesmo dia. Um homem alto de hábito, sobrancelhas longas e cajado de madeira — o padre Vassian, abade do mosteiro local.
— Você não está morrendo — disse ele, olhando para Mikhail. — Você só se perdeu.
Mikhail não respondeu. Apenas baixou o olhar.
O padre Vassian o levou consigo. Primeiro para o refeitório, depois para a casa dos peregrinos, e então para sua cela. Não fez perguntas, não pediu confissão. Só deu uma camisa limpa e disse suavemente: “Fique.”
E Mikhail ficou.
No começo, apenas vivia no mosteiro: varria a neve, cortava lenha, carregava água. Depois começou a ir às missas. Fincava-se na parede, calado, olhando para os rostos dos santos, sem pedir nada. Seis meses se passaram até que comungasse pela primeira vez. Após um ano, matriculou-se em cursos de teologia. E em três anos fez os votos monásticos.
Agora era o padre Mikhail. Mas ainda não se sentia redimido. Apenas — vivo.
A vida no mosteiro fluía tranquila: orações matinais, obediências, missas vespertinas. Às vezes, percebia que pela primeira vez em muito tempo não pensava em nada — apenas existia, como um riacho ou uma vela acesa. Lembrava de Lev cada vez menos, mas a dor não enfraquecia — apenas se aprofundava, escondida em algum lugar dentro dele.
O tempo passou. Surgiram os primeiros fios prateados nas têmporas. Na voz — confiança, nos olhos — calma. O abade não o chamava mais de “aquele que veio do fim do mundo”. Agora era “padre Mikhail”, sacerdote na igreja da Intercessão.
E então, sete anos depois, chamaram-no para o refeitório.
— Padre Mikhail, hoje o funeral será às três horas. Mulher. Sem parentes. Morreu dormindo. Jovem.
— Nome?
— Daria. Apenas Daria.
Ele não se moveu. Não falou nada. Apenas inclinou um pouco a cabeça — como se tivesse ouvido algo que esperava há muito tempo.
Daria. O nome soou como uma pedra caindo em água parada. Sete anos de silêncio quebraram-se num instante. Ele não sabia se era acaso ou destino. Mas não podia mais acreditar em coincidências.
Quando trouxeram o caixão, ele estava na porta. Mãos cruzadas nas costas. As mulheres do necrotério colocaram o caixão na mesa
do altar. Mikhail fechou os olhos.
Não orou.
Só pediu a Deus que lhe desse força.