Numa tarde de outono, a central de emergência recebeu um chamado urgente: “Criança de cinco anos, febre alta, perda de consciência, possível parada cardíaca.” A equipe foi enviada para um bairro de mansões luxuosas — um local incomum para atendimentos do serviço público de emergência. Normalmente, famílias assim recorrem a médicos particulares ou clínicas privadas.
Os médicos Olga e Igor chegaram ao local. Quando a ambulância parou em frente à casa luxuosa, trocaram olhares surpresos — esse tipo de paciente raramente recorria ao sistema público.
Mas assim que a porta se abriu, Olga ficou paralisada. Diante dela estava seu ex-marido — Andrei Gennadievitch Grigoriev. O tempo o havia envelhecido um pouco, o rosto estava mais anguloso, o olhar — ansioso.
— Pelo amor de Deus, Olga Mikhailovna! Por favor, salve meu filho! — quase gritou ele. — Pedi especificamente que chamassem você. Sei que são profissionais de verdade. Petya está inconsciente há mais de dez minutos!
— Fizeram reanimação? — perguntou Olga rapidamente.
— Sim, começamos. Eu vim abrir a porta, minha esposa continua a massagem cardíaca.
— Então, rápido até a criança! — ordenou ela, correndo para dentro.
Olga sempre foi confiável. Não por ingenuidade, mas por um dom de alma: enxergava o bem nas pessoas. Foi isso que a levou a Andrei. Todos a alertaram: ele era mulherengo, calculista, egoísta. Mas Olga acreditava: “Meu Andrei é diferente.”
Eles se conheceram anos atrás, justamente na central de emergência, quando ela era uma jovem médica e ele, chefe do setor. Ela tinha uns vinte e cinco anos — esguia, loira, olhos verdes bondosos. Mesmo de jaleco branco, parecia frágil e jovem. Com a trança longa, muitos a confundiam com uma colegial — depois teve que cortá-la, por ser imprática no trabalho.
Andrei também impressionava. Cirurgião por formação, já havia salvado centenas de vidas. Físico forte, ombros largos, barba bem cuidada — tudo nele transparecia força e confiança. Gostava de andar de moto preta após o turno para aliviar o estresse. Cabelos curtos, têmporas grisalhas, olhar penetrante e atento — como se enxergasse a alma.
Quando Olga começou, todos esperavam mais um caso passageiro. Andrei era famoso por mudar de parceiras como de luvas. Mas com Olga foi diferente — tratava-a com delicadeza, cuidado, até ternura. Isso surpreendia e conquistava até os colegas mais cínicos.
O relacionamento progrediu rapidamente. Após um ano de passeios de moto, casaram-se. Foi uma surpresa para muitos — ninguém esperava que Andrei, solteirão convicto, casasse de verdade.
A vida era difícil. Os salários eram baixos, a burocracia enorme, e o trabalho exaustivo. Muitos desistiam, mas Olga e Andrei permaneceram. A medicina era vocação, não escolha financeira.
Irina Igorevna — mãe de Andrei — conhecia bem a vida dos médicos. Trabalhou a vida inteira em hospital, sobreviveu aos anos 90 de crise e criou o filho sozinha. Seu marido, Gennady, desaparecera misteriosamente no fim dos anos 80. Ela teve que ser mãe, pai e provedora.
Irina adorou Olga desde o início. A jovem viera de uma vila pequena e se sustentava sem apadrinhamento. Era modesta, trabalhadora, inteligente e de bom coração. Tornaram-se próximas — Irina foi como uma mãe que Olga havia perdido cedo.
Foi Irina quem propôs abrir uma clínica particular. Andrei hesitou — achava arriscado, ainda mais para uma mulher da idade dela. Mas Olga apoiou. Irina cuidou de tudo: local, documentos, reformas, contratação. Andrei ajudou com contatos e dinheiro, mas a força motriz foi sua mãe.
Nos primeiros anos, a clínica cresceu devagar, porém firmemente. Irina revelou-se excelente gestora, mesmo sem experiência empresarial. Andrei e sua mãe foram os primeiros a conquistar pacientes. Deram tudo: tempo, dinheiro, energia. Olga também contribuiu. Decidiram que ela estudaria dermatologia e estética. Mesmo trabalhando no plantão, estudava todas as noites, quase sem dormir.
Mas essa rotina intensa teve um preço — o casal não teve filhos. Faltava tempo, condições. Andrei não se preocupava — sabia que era saudável. Já Olga temia perder o “tempo biológico”. Após a morte da mãe, só tinha o marido e a sogra.
Quando a clínica prosperou e Olga pendurou dois diplomas em seu consultório, tornou-se conhecida na cidade. Jovem médica, conquistou fama por lidar com casos difíceis. Seu nome virou sinônimo de esperança para muitos. A renda da família Grigoriev aumentou visivelmente.
Cinco anos se passaram. Olga continuava dedicada, sem se envolver na administração — não tinha forças nem vontade. Já Andrei, sempre carinhoso por fora, dominava todos os detalhes. Embora Irina fosse formalmente a proprietária, o controle estava nas mãos do filho.
O primeiro golpe veio de forma inesperada. Um seguidor anônimo em rede social avisou Olga de uma traição. Ela riu — confiava cegamente. Mas quando Irina morreu repentinamente à mesa de jantar, aquela mensagem voltou à mente. A emergência chegou rápido, mas não conseguiram salvá-la. Dizem que “sua hora havia chegado”.
No funeral, Olga parecia perdida. Emagrecera, estava alheia. Recordava agora um comentário da cliente Varvara:
— Andrei ainda anda de moto?
— Não, faz tempo. Está sempre exausto com o trabalho…
— Estranho. O vi outro dia em sua moto enorme, com faixas verdes. Com uma mulher. Morena.
Na época, Olga ignorou. Mas agora, tudo parecia se encaixar como num quebra-cabeça.
Semanas após o funeral, veio a verdade. Andrei não queria dividir a herança — mas isso nem foi o pior. O mais doloroso: ele levava uma vida dupla. Sua amante era a jovem secretária da clínica — a bela morena Vika, com quem queria recomeçar. Vinte anos mais nova, ela estava grávida.
— Como pôde? — sussurrou Olga, sentindo-se despedaçada.
— Desculpe, Olya. Não quis te magoar. Só… com ela me sinto mais jovem. E, bom, ela está grávida. Quatro meses.
— Canalha… Você dizia que era cedo. Agora «chegou a hora»? A minha é que passou, né?
— Sem drama, você é adulta. Vou deixar o apartamento pra você.
Olga olhou com amargura para as paredes onde vivera tantos anos.
— E a clínica fica pra você? Pela herança da sua mãe, claro.
— Sim. Mas não se preocupe — já encontrei uma substituta pra você.
— Você é frio até nisso… — murmurou. — Vá. Agora. Quero você fora até amanhã cedo.
O divórcio foi rápido, sem emoções. A funcionária do cartório nem sugeriu reconciliação ao olhar para o casal.
O que mais doeu em Olga não foi só a traição de Andrei, mas a suspeita de que Irina sabia mais do que mostrava. Talvez intuísse os planos do filho. Talvez por isso deixou tudo a ele, não aos dois.
Olga não discutiu. Não implorou. Saiu em silêncio, com dignidade. Começaria uma nova vida — sem eles. Sem mentiras. Sem dor.
Ao final do divórcio, Olga estava sozinha: sem família, casa ou clínica. Precisou recomeçar aos quarenta, quando outras constroem sobre bases sólidas. Mas não se quebrou. Tinha fibra — forjada nos tempos soviéticos, quando as mulheres eram ensinadas a resistir.
Voltou ao início: à central de emergência. Ambiente familiar, sirenes, urgência — tudo a reconectou com sua essência. Logo retomou o ritmo, como se nunca tivesse saído. E foi apenas meses depois, ao salvar um adolescente afogado, que entendeu: a estética fora apenas um desvio. Sua verdadeira vocação estava ali, entre as equipes de reanimação, onde cada segundo importa.
Depois de Andrei, sua confiança nos homens ficou abalada. Por muito tempo, não conseguiu iniciar um novo relacionamento…