A nora acidentalmente esqueceu o telefone na cozinha com a câmera ligada, e o dispositivo gravou a sogra colocando pó em seu chá.

Histórias interessantes

O café cheirava a canela, leite caramelizado e algo doce e inquietante, como se no ar pairasse a frescura outonal antes da tempestade. Daria sentou-se junto à janela, abraçando a xícara, como se esperasse que o café não só a despertasse, mas também a ajudasse a “voltar para a terra”, a distrair-se dos pensamentos. Do outro lado do vidro, os transeuntes apressavam-se, e ela tinha apenas um intervalo entre os turnos — vinte e cinco minutos.

Ela olhava para o espaço, sem focar em nada, quando uma sombra parou ao seu lado. Um homem de estatura média, um pouco curvado, com olhos gentis e marcas de cansaço ao redor deles. Ele vestia um avental de café e no pulso havia uma queimadura recente.

— Você está aqui pela primeira vez? — perguntou com uma voz suave, um pouco rouca.

Daria levantou o olhar. Ele sorria, mas não como um garçom, e sim como alguém que realmente tinha interesse.

— Não, é a segunda vez — respondeu ela.

— Sou Artyom. Dono deste cantinho aconchegante e cozinheiro, caso meu assistente decida de repente escapar para um encontro romântico.

Daria sorriu:

— Daria. Administradora do escritório onde até meu nome já foi esquecido há muito tempo.

A conversa começou fácil, sem tensão — mais como a continuação de uma velha amizade que apenas tinha sido interrompida por um tempo. Ele brincava sobre os clientes, sobre a esposa do seu assistente, que toda semana “dava um jeito” de ele faltar ao trabalho, e sobre como é difícil encontrar chocolate sem óleo de palma que se possa comer sem culpa.

Daria não ria assim há muito tempo. E há muito tempo não se pegava pensando que queria ficar — por mais tempo do que o curto intervalo do almoço permitia.

Em certo momento, ele olhou para as mãos dela — dedos finos, unhas roídas — e disse baixinho:

Depois tudo começou a girar, como se alguém tivesse removido o bloqueio do tempo que compartilhavam…

Artyom passou a escrever todos os dias. Não mensagens formais de “oi”, mas mensagens vivas, sinceras: “Hoje fizemos cheesecakes de cereja. Lembrei que você não suporta cerejas em sobremesas. Mas mesmo assim coloquei.” Ele sabia como tocá-la: ora enviava um meme engraçado de gatos, ora uma mensagem de voz lendo em voz alta “O Mestre e Margarida” com uma entonação que parecia trazer o verão de agosto em vez de novembro lá fora.

Uma semana depois, ele sugeriu se encontrarem — não no cinema, nem no bar, mas simplesmente para um passeio no parque. Daria vestiu o casaco mais simples, mas sentia-se deslocada — ele era muito vivo, caloroso, verdadeiro demais para sua cinzenta realidade de escritório.

Eles passearam até o anoitecer, falaram sobre tudo: sobre suas tentativas de ser cozinheiro, que terminaram por causa do desprezo pelo snobismo no mundo dos restaurantes, e sobre o sonho antigo dela de ser tradutora, que nunca realizou, tendo se tornado assistente de um chefe chato.

No terceiro encontro, ele segurou a mão dela. Sem palavras desnecessárias, sem pompa — simplesmente segurou, como se fosse inevitável.

Um mês depois, ele a esperava na porta todas as manhãs com café e pãezinhos. Em duas semanas, passou a dormir na casa dela. E em três pronunciou palavras que, como se viu, ela esperava lá no fundo:

— Com você eu me sinto em paz, como se tivesse encontrado meu lugar. Quer conhecer seus pais? Podemos ir visitá-los.

Ela se surpreendeu. Normalmente os homens demoram para isso, às vezes até o fim do relacionamento. Mas ele foi direto, seguro, como se soubesse que os pais dela eram pessoas abertas e bondosas, com quem seria fácil e acolhedor.

Daria sorriu.

— Vamos. Só não beba demais com meu pai — ele gosta de testar.

Artyom piscou para ela.

E assim, uma semana depois, eles já estavam sentados na varanda da casa do pai dela, enrolados em um cobertor. Igor Petrovich logo encontrou uma afinidade com o novo conhecido, Elena Vasilievna mexia na cozinha cantando baixinho. Artyom contava histórias do café, estalava sementes de girassol e parecia parte da família.

Daria olhava para ele e pensava: “Será que isso é real?”

Ela ainda não sabia que o verdadeiro teste estava apenas começando.

A noite terminou ao redor do samovar e com “Murka”, que o pai tocou na gaita.

Pela primeira vez em muito tempo, Daria sentiu não só amor, mas aceitação completa — aquela onde não é preciso ser conveniente, corresponder a expectativas ou fingir. Simplesmente: o pai aprovou, a mãe abençoou, e ela estava loucamente apaixonada.

Mas já no trem, olhando pela janela, Artyom ficou sério de repente:

— Daqui a alguns dias quero que você conheça minha mãe — disse baixinho. — Só… prepare-se. Ela é… especial.

Daria sorriu:

— Sua mãe é uma heroína de Shakespeare? Lady Capulet?

Ele sorriu de lado, mas nos olhos havia uma sombra de tristeza.

— Quase. Só que sem veneno. Ou talvez… quem sabe.

— Eu consigo lidar — respondeu Daria confiante, sem imaginar o que teria que enfrentar.

A porta se abriu lentamente, quase teatralmente. Na soleira estava uma mulher — Olga Alexeyevna. Elegante, esguia, vestindo um clássico terno claro, com um penteado perfeito.

— Olá, Daria. Entre, por favor. Espero que arte moderna não te assuste?

Daria hesitou um pouco, mas entrou. O interior do apartamento lembrava páginas de uma revista de design: paredes brancas como neve, formas rígidas, máscaras africanas, instalações abstratas de vidro e pedra, fileiras organizadas de livros de psicologia e arquitetura. Nenhum sinal de aconchego doméstico — sem almofadas macias, cobertores ou cheiro de comida. Apenas o aroma frio de perfume.

Olga Alexeyevna apontou para a poltrona:

— Sente-se. Artyom me contou que você trabalha… em um escritório, certo?

— Sim, sou administradora em uma empresa de engenharia — respondeu Daria calmamente.
— Engenheiros… interessante. Uma amiga minha começou na Gazprom com esse mesmo cargo. Depois se casou com um diretor e… você entende.

Darya permaneceu em silêncio. Artyom fez uma leve careta, mas a mãe continuou como se conduzisse um interrogatório.

— Seus pais, pelo que entendi, são do interior? De… Gzhatsk ou algo assim?

— Uma vilazinha na região de Smolensk — respondeu Darya, brevemente.

— Que interessante. Imagino que lá o pão seja delicioso e o ar, bem puro — disse Olga Alexeyevna, tomando um gole de vinho branco. — E lê bastante?

— Tento. Terminei recentemente «O Homem da Areia», de Hoffmann.

— Hoffmann? Uma escolha incomum para uma mulher jovem. Embora talvez simbólica — não havia interesse real nem vontade de conversar em sua voz. Apenas julgamento frio.

De repente, Darya se sentiu deslocada. Não por ser de outra classe social ou por sua origem — mas porque naquela casa não havia espaço para seu calor, para seu mundo. Reinavam a exibição, o controle e o olhar impassível da anfitriã.

Artyom apertou a mão dela, mas ficou em silêncio. Tentando aliviar o clima, Darya se aproximou de uma parede decorada com quadros e começou a observar um deles.

— Que máscara incrível. É africana?

— Dogon. Foi um presente de uma colega — um artefato de verdade.

— Fiz meu trabalho de conclusão sobre mitos africanos. Essa máscara me lembra a lenda do espírito do engano…

— Oooh… — exclamou de repente Olga Alexeyevna, levando a mão ao peito. — Meu coração! Deus do céu, não consigo respirar…

Darya recuou. Artyom pulou da cadeira. Sua mãe afundava lentamente na poltrona, como uma atriz no palco — boca aberta, olhos semi cerrados.

— Água! Rápido! — gritou ele, correndo até ela.

Darya correu para a cozinha, as mãos tremiam, os ouvidos zumbiam com o som de seu próprio pulso.

Minutos depois, Olga estava deitada no sofá, gemendo baixinho, com um travesseiro sob as costas. Artyom ao lado, inquieto, enquanto ela sussurrava:

— Não chame uma ambulância… vai passar… só nervos…

Darya estava parada na porta como uma espectadora de um drama alheio.

E então, pela primeira vez, um pensamento passou por sua mente — afiado como um caco de vidro:

«Isso aconteceu mesmo? Ou foi só encenação?»

Lá fora, o céu estava cinzento. Artyom dirigia em silêncio, os dedos agarrados ao volante como se fossem quebrá-lo. Darya, com os braços cruzados, pensava: o que foi isso? Por que me envolvi nisso?

— Desculpa — disse ele, sem olhar para ela. — Ela sempre foi assim. Não é sua culpa. É o jeito dela se proteger. Você entende, né?

Darya não respondeu.

— E se… a gente fosse ao cartório? — disse ele, quase brincando, mas com a voz tremendo. — Agora. De forma espontânea. Para facilitar tudo. Para eu saber, com certeza, que você é minha.

Ela virou-se para ele. Quis rir. Quis dizer: «Você ficou louco? Depois de tudo isso?»

Mas nos olhos dele havia solidão, dor, uma esperança desesperada. Como se, ao dar esse passo, ele não estivesse fugindo da mãe — e sim segurando com força a única coisa real que ainda tinha.

— Mas não dá assim, do nada… precisa agendar antes…

— Eu já agendei — confessou. — Peguei um atestado dizendo que minha mãe fez uma cirurgia. Disse que era urgente. Eles aceitaram. Podemos casar amanhã.

Ela piscou.

— Então você… estava preparado?

Ele corou levemente.

— Não exatamente… Só… esperançoso. Que você fosse a tal.

De fato: no cartório plantonista ouviram sua história, aceitaram os documentos, confirmaram o atestado. A funcionária, de óculos, disse após uma pausa:

— Venham amanhã às nove. Damos entrada. Para os jovens — sinal verde.

No dia seguinte, Darya se tornou esposa. Sem vestido, sem convidados, sem música. Apenas sua assinatura, uma mão trêmula e o sussurro de Artyom ao ouvido:

— Agora você é minha. E eu sou seu. Para sempre.

Ele finalmente respirou aliviado. Segurava a mão dela o tempo todo, como se assim tivesse certeza de que ela não sumiria.

Darya tentava acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo. Que a felicidade era possível — mesmo de um jeito estranho, distorcido, mas real.

Dois dias depois, ele buscou as coisas dela. Mudaram-se para a casa dele — uma antiga mansão de dois andares, com cozinha acolhedora e uma grande mesa de madeira.

Na porta, foram recebidos por Olga Alexeyevna. Com uma blusa cinza-clara, um sorriso quase imperceptível e nenhum traço de alegria nos olhos.

— Bem-vinda, Darya. Espero que você se sinta… confortável — disse ela, enfatizando a última palavra.

Na manhã seguinte, o café da manhã: mingau, banana, torradas. E um chá estranho — “chá himalaio purificador”, como informou a sogra, colocando a xícara diante da nora.

Darya tomou um gole. O gosto — amargo, com um fundo metálico. Sorriu educadamente, sem saber que sua vida acabara de entrar em um novo plano — o da incerteza.

No início, ela culpava o cansaço. Casamento, mudança, uma sogra com o rosto de uma estátua — o corpo precisava se adaptar.

Mas à tarde, enjoos. À noite, dor de cabeça intensa. De madrugada, suor frio, tremores e gosto amargo na boca.

— Acho que peguei alguma coisa — murmurou quando Artyom trouxe o chá.

Ele sentou-se ao lado, acariciou seu rosto:

— Não vá trabalhar. Descanse. Deixe-me cuidar de você.

Darya assentiu. Ele estava ali. Amoroso, atento, carinhoso. Criou até uma playlist chamada “Jazz Terapêutico”. Quase perfeito — exceto por um detalhe: seu corpo estava perdendo forças a cada dia.

Às vezes, quando Olga entregava mais uma xícara com infusão, seu olhar repousava no rosto da nora — avaliando, esperando alguma reação. Como se quisesse ver como ela tomava, se fazia careta, se empalidecia.

Darya começou a evitar o chá. Escondia, jogava fora discretamente. Dias depois, a sogra comentou:

— As ervas não ajudaram? Que pena. São raríssimas — trouxe de Ladakh. Lá, os curandeiros tratam corpo e alma. Embora… se a alma já estiver morta, nem as ervas ajudam.

Ela sorriu. Fria. Seca. Como uma lâmina.

Darya apertou os dentes. Um instinto despertava — aquele que avisa sobre o perigo. Mas ela ainda ficava. Por Artyom. Seus abraços, seu riso, sua respiração — eram reais. Os únicos vivos.

Mas um dia, quando ele saiu para o plantão e Darya decidiu gravar um vídeo divertido para ele — uma receita de mingau com balas e salgadinhos — esqueceu o celular gravando.

A câmera ficou ligada. Dez minutos. Quinze. Então Olga entrou.

Na tela — seu perfil nítido. Uma pequena embalagem na mão e uma colher fina. A chaleira ferveu. Ela abriu o frasco, colocou algo na xícara. Não eram ervas. Era pó.

Cheirou, assentiu, colocou a xícara na bandeja, olhou na direção da câmera — sem notá-la — e saiu.

Darya encontrou o vídeo meia hora depois, ao tentar editar. Assistiu. De novo. Na quinta vez, pausando e ampliando, leu o rótulo:

“Zookill Veneno para Ratos. Manter longe de alimentos.”

Darya pegou o casaco, celular, passaporte. Saiu correndo de chinelos.

Ainda no ônibus, enviou o vídeo para Artyom.

Depois — desligou o celular.

Voltou só de manhã.

Ficou parada diante da casa por dez minutos antes de entrar.

O celular em silêncio. Dentro dela — medo, vazio, e uma calma fria.

Subiu as escadas devagar, como se cada passo fosse uma passagem para outra vida. Abriu a porta com sua chave.

Silêncio no corredor.

Olga já a esperava — na cozinha, de blusa branca, com uma xícara de café. Sem surpresa. Sem preocupação.

— Voltou — disse ela calmamente, largando a xícara. — Muito bem. Que heroína.

Darya se aproximou. Por dentro fervia, mas sua voz saía fria, firme:

— Você me envenenou.

— Prove — disse a sogra com um encolher de ombros. — Você está histérica. Cansaço. Vai passar. Todo mundo passa por isso. Só nem todos sobrevivem.

— Está tudo no vídeo. Enviei para o Artyom.

Por um instante, o rosto dela tremeu. Mas logo voltou a ser uma máscara.

— E você acha que ele vai acreditar em você? Eu sou a mãe dele. Eu o criei. E você, quem é?

Darya não respondeu. Se aproximou ainda mais. Pela primeira vez, sem medo.

E a bateu.

Não com força. Nem por raiva. Apenas firme e direto — como um despertador.

Olga cambaleou. Não de dor — mas de choque: ela, tão intocável, havia sido tocada.

— Que você apodreça, vadia — sussurrou entre os dentes.

Darya virou-se e saiu. Sem drama. Sem choro. Sem gritos. Apenas saiu — como quem termina uma tarefa. A porta ficou aberta.

Lá fora, o sol nascia. Ela ligou o celular. Seis chamadas perdidas de Artyom.

Ligou para ele. Ele atendeu quase de imediato.

— Eu vi — disse ele. A voz, vazia, em choque. — Me desculpa… por não ter percebido antes. Me perdoa.

— Não a defenda mais — pediu ela, suavemente.

— Não vou — respondeu. — Quero falar com ela. Depois… quero recomeçar. Contigo. Se você puder me perdoar.

Artyom assistia ao vídeo repetidamente. No escuro. Depois à luz. Depois no escuro de novo — como se a luz pudesse mudar o que estava lá.

Pausou no momento em que a mãe despejava o pó na xícara. Reviu em câmera lenta. Cada quadro queimava por dentro.

O rosto dela — calmo. As mãos — firmes. Nada de acidente. Tudo intencional. Frio. Cruel.

Cerrou os punhos até doer. Os dentes, pressionados.

Isso não era só traição. Era algo maior. Inimaginável.

Quando entrou na cozinha, ela estava no mesmo lugar — com o mesmo livro, a mesma postura, como se nada tivesse acontecido.

— Você sabia que a Darya gravou tudo? — perguntou, em voz baixa.

Olga Alexeyevna pousou o livro. Devagar, como sempre.

— Vai me interrogar agora?

— Você envenenou o chá dela. Na minha casa. Diante dos meus olhos. Para minha esposa.

— Não era veneno — respondeu friamente. — Uma microdose de zóxido. Inofensiva em pequenas quantidades. Ela nem adoeceu gravemente. Eu só queria que ela fosse embora. Que você acordasse.

— Isso foi uma tentativa de assassinato.

— Foi uma defesa — disse ela, áspera. — Você estava cego. Apaixonado como um adolescente. E ela — uma garota comum. Sem educação. Mentirosa. Não é para você.

Artyom fechou os olhos. O rosto contorcido de dor.

— Mamãe… você está doente. Você envenenou alguém. A mulher que eu amo. Eu…

Passou as mãos nas têmporas. Respirou fundo.

— Não vou te entregar à polícia. Só porque é minha mãe. Mas escuta: você não chega mais perto da gente. Nem dela. Nem de mim. Vamos embora.

— Você está traindo sua família — sussurrou ela.

— Família não é veneno no chá. Família é calor. Segurança. Coisa que você nunca soube dar — disse ele, saindo da cozinha sem olhar para trás.

E Olga ficou sentada — imóvel como uma estátua. Mas agora, os dedos tremiam. Não de raiva. De velhice. De solidão. Daquilo que chega quando se perde tudo.

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