— Sou a tua mulher, não a tua recepcionista! Se a tua mãe precisa de Ajuda, vai tu.

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— Sveta, é o seguinte. Precisamos ajudar a mamãe: lavar as janelas da varanda — ela já não consegue sozinha. E comprar mantimentos para a semana, a lista é grande. Você consegue ir hoje?

Kirill entrou na cozinha usando calças esportivas e uma camiseta amarrotada, transmitindo aquela atmosfera relaxada de fim de semana. Aproximou-se do filtro, encheu seu copo com água, quase sem notar a esposa. Svetlana estava sentada à pequena mesa perto da janela, tomando seu café da manhã lentamente. Os raios de sol desenhavam padrões curiosos na toalha, mas seu olhar estava distante, focado em algo interior.

Essa não era a primeira vez que ele fazia esse tipo de pedido. Começou com tarefas inocentes: “Sveta, passa pão para a mamãe”, “Pode levar remédios para ela?”. Depois virou viagens regulares pela cidade com sacolas pesadas, faxinas gerais na casa da sogra e até pequenos consertos que, na opinião de Anna Lvovna, só alguém jovem e ágil poderia fazer. Kirill quase não aparecia para a mãe. Sempre tinha algo para fazer, estava cansado ou simplesmente “não queria”. “Mas você está livre”, dizia ele, e Svetlana suspirava e ia. Levava peso, lavava, consertava, pacientemente ouvindo as reclamações da sogra sobre saúde, preços, vizinhos e… sobre como “o pobre Kirusha sofreu”.

— Kirill — sua voz estava surpreendentemente calma, mas havia uma firmeza de aço que o fez virar a cabeça — já te falei. Eu sou sua esposa, não assistente da sua mãe, muito menos empregada doméstica de graça. Se Anna Lvovna precisa de ajuda, especialmente algo tão pesado, por que você mesmo não vai? Você também está de folga, ou esqueceu?

Kirill piscou, confuso. Normalmente, essas conversas terminavam com Sveta aceitando depois de algumas palavras.

— Bem… eu pensei que você… — gaguejou, franzindo a testa. — Não é difícil! Coisas de mulher — lavar janelas, comprar mantimentos… Você entende disso melhor do que eu.

Svetlana fez uma careta, e o sorriso prometia problemas.

— “Coisas de mulher”? — repetiu sarcasticamente. — Interessante. Ou seja, carregar sacolas de cinco quilos de batata e depois ficar no sétimo andar limpando sujeira nas janelas é agora exclusivamente obrigação feminina? E você vai descansar em casa, guardando energia para a noite no sofá?

A tensão no ambiente aumentava. Kirill colocou o copo na bancada com força. Seu rosto começou a ficar vermelho.

— O que você está inventando de novo? Eu só pedi! Você sabe que a mamãe está sozinha, está velha, é difícil para ela! Em vez de ajudar, tenho que aguentar histeria!

— Histeria? — Svetlana arqueou a sobrancelha. — Ou seja, minha recusa em ser escrava é “histeria”? Escute com atenção.

— O que mais?

— Eu sou sua esposa, não sua assistente! Se sua mãe precisa de ajuda, você mesmo deve ir e ajudar!

— Que relação eu tenho com isso? Eu já disse…

— Ela é sua mãe. Sua. E se está realmente difícil para ela, é seu dever, como filho, ajudar. Ou você acha que deve passar tudo para sua esposa? Eu, a propósito, não peço que você ajude a minha mãe. Os problemas dela são meus, eu os resolvo. Então, querido, pegue a lista, o pano, o balde e vá para a casa da mamãe. Pode até usar minhas luvas, se não tiver as suas. Eu cuidarei das minhas coisas. Não aceito mais “pedidos” assim. Entendeu?

Kirill a olhava como se ela fosse um alienígena. A ordem habitual estava ruindo. Svetlana sempre cedia. Agora, estava fria, decidida e sem opções.

— Você entende o que está dizendo? Isso é falta de respeito com os mais velhos! Com a minha mãe! — aumentou a voz, dando um passo à frente.

Svetlana não se moveu.

— Não, Kirill. Isso é respeito por si mesmo. Respeito básico. Se você não entende isso, o problema é seu.

Ela se levantou, calmamente contornou a mesa e saiu da cozinha, deixando-o sozinho entre os raios de sol, o conforto quebrado e um pensamento súbito: o mundo não era mais tão confortável assim.

Kirill não ia desistir. Seguiu-a até a sala, onde Svetlana se sentou ostensivamente com um livro. Ele parou na porta, fechou os punhos, o rosto ardia de raiva.

— Você simplesmente decidiu recusar assim? — disse com dificuldade. — Decidiu que não precisa se importar com meus pedidos? Com a minha mãe? Isso é normal para uma esposa?

Svetlana baixou o livro lentamente.

— E você acha normal, Kirill, passar suas obrigações de filho para sua esposa? — perguntou sem aumentar o tom. — Fala da mãe, mas esquece que ela é sua. Ela tem um filho. Adulto, saudável, com folga. Por que esse filho, em vez de ajudar, manda a esposa e planeja o dia no sofá?

— Porque antes isso não incomodava ninguém! — quase gritou Kirill, entrando na sala com passo firme. — Você sempre ajudou e tudo estava bem! O que mudou? Será que agora você tem uma coroa na cabeça ou se acha especial?

— Mudou que eu não aguento mais — respondeu Svetlana calmamente. Não havia raiva em sua voz — só um cansaço profundo e acumulado. — Estou cansada de ser assistente conveniente para vocês dois, não um ser humano completo. Cansada de que ninguém leve em conta meu tempo, força e desejos. Você diz: “Você sempre concordou”. Mas já pensou no que isso custou para mim? Quantas vezes sacrifiquei meus planos, meu descanso, até minha saúde para agradar você e sua mãe?

Kirill bufou, afastando como se espantasse uma mosca irritante.

— Lá vem você com esses sacrifícios! Virou mártir santa! Ninguém te obrigou. Você foi sozinha. Então, devia ser confortável para você!

— Fui para manter a paz na família — sorriu amargamente Svetlana. — Porque esperava que você percebesse, que sentisse quanto eu fazia. Mas você aceitava como certo. Como se eu fosse obrigada a servir todos os seus parentes. Sabe o que é interessante? Minha mãe nunca pediu para você ir ajudá-la com janelas ou no sítio. Embora também tenha dificuldades. Ela entende que temos nossa vida. Mas sua mãe, junto com você, me vê como um recurso grátis para usar quando quiser.

— Não as compare! — gritou ele, com o rosto distorcido pela raiva. — Minha mãe sempre se esforçou por nós! E agora, quando ela pede ajuda, você se comporta assim? Isso é egoísmo!

— E quem vai pensar em mim, se não eu mesma? — Svetlana o encarou, sem medo ou culpa. Só firmeza e decisão. — Você? Que nem percebe como estou depois de mais uma “ajuda” para sua mãe? Ou Anna Lvovna, que depois da limpeza começa a contar que a nora da vizinha ainda faz tortas todo dia? Não, Kirill. Essa fase acabou. Não serei mais o capacho em que todos esfregam os pés, escondendo por trás de palavras como “dever” e “ajuda” sua exploração.

A tensão aumentava. Kirill sentia perder o controle. Seu status habitual, seu direito de mandar e influenciar — tudo desmoronava diante dele. Ele estava acostumado com a Svetlana suave e condescendente. Essa mulher de olhar frio e voz firme o tirava do eixo.

— Você é ingrata! — ofegava ele indignado. — Nós nos doamos de coração, e você… você não valoriza nada! Você não se importa com nossos sentimentos!

— Ah, sentimentos! — Svetlana riu, mas não havia alegria na risada. — Quando foi a última vez que você se importou com os meus, Kirill? Quando eu chegava em casa exausta depois do dia inteiro na casa da sua mãe, e você só dizia: “Tudo bem? Fez tudo? Bom trabalho.” Minhas necessidades? Meu descanso, minha simples necessidade de atenção humana — isso era levado em conta? Não. É mais fácil ter uma esposa que faça tudo em silêncio.

Kirill andava pela sala como fera acuada. Seus truques habituais de pressão, acusações e repreensões não funcionavam. Isso o irritava ainda mais.

— Está bem — parou finalmente, respirando pesado — se você não quer pelo jeito bom, vai ser pelo outro jeito. Agora você vai ouvir a opinião da minha mãe!

Pegou o celular, discou rápido. Svetlana ficou calma, com uma sombra de desprezo no rosto. Conhecia esse jogo — “a artilharia pesada” na forma da mãe, que sempre apoia o filho.

Alguns segundos depois, a voz insatisfeita de Anna Lvovna soou:

— Kirusha, por que tão cedo? Estou medindo a pressão, tentando não me preocupar.

— Mãe, você não imagina o que está acontecendo! — falou alto para Svetlana ouvir cada palavra — Pedi para a Sveta ir aí ajudar com janelas e mantimentos, como sempre. E ela me fez um escândalo! Diz que você é minha mãe, que eu mesmo devo ir trabalhar, e que ela não é sua assistente! Consegue imaginar?

Houve um silêncio pesado. Svetlana sorriu mentalmente. Sabia como a mãe gostava de mostrar indignação com pausas dramáticas.

— O qu-quê? — Anna Lvovna finalmente falou, com voz cheia de falsa surpresa e indignação triunfante. — Foi isso que ela disse? Sobre mim?!

— Sim, mãe, foi exatamente isso! — Kirill reforçou. — Ela disse que você é minha mãe, não dela, e que eu devo cuidar de você! E que ela está cansada! Que absurdo! Estou chocado!

— Ah, Kirusha, a juventude… — a voz da sogra ficou dramática — Eu achava que a nora era como filha… e ela é assim…

— Me passa o telefone — pediu Svetlana calmamente.

Kirill olhou para ela como um vencedor.

— Está com medo? Quer se desculpar com a mãe?

— Me passa o telefone — repetiu ela, e a voz tinha uma confiança tão fria que ele murchou e entregou o aparelho no viva-voz.

— Anna Lvovna, boa tarde — começou Svetlana calma e profissional — ouvi a conversa e quero esclarecer a situação.

— Svetocha, minha querida, o que você está fazendo com o Kirusha? Ele está tão triste… Por que você age assim com ele? E comigo… Somos todos família.

— Anna Lvovna, se você realmente precisa de ajuda, especialmente com tarefas pesadas como lavar janelas e carregar mantimentos, deve pedir ao seu filho — continuou Svetlana firme. — Ele está de folga, saudável, e é dever dele, como filho, cuidar da mãe. Eu sou esposa dele, não sua empregada doméstica.

— Sveta, querida, você é a dona da casa… — começou a sogra, já irritada — Kirusha é homem, tem outras responsabilidades. Ele sustenta a família…

— Eu também trabalho, Anna Lvovna — interrompeu Svetlana — e meu dia de folga é tão valioso quanto o dele. Não vou fazer trabalho regular para sua família de graça. Se é difícil limpar, podem contratar uma faxineira. Essa é uma solução real.

— Faxineira?! — exclamou a sogra — Eu deixaria estranhos na minha casa? As pessoas vão falar! Vão pensar que filho e nora me esqueceram!

— Pouco me importa o que pensam os outros — respondeu Svetlana com firmeza — Me importa meu direito a vida própria e descanso. E não vou mais permitir manipulação, escondida atrás da idade ou fragilidade fingida. Se Kirill tem vergonha de ajudar a mãe ou acha isso abaixo dele, problema dele, não meu.

No telefone houve silêncio tenso, só se ouvia a respiração pesada e irregular de Anna Lvovna.

— Então é assim? — finalmente ela falou, e a voz não tinha mais nada de suavidade. Só raiva fria e ressentimento. — Decidiu mostrar quem manda aqui? Muito bem, Svetochka… Não vou deixar assim. Se você é contra a família, a ordem, o respeito aos mais velhos, vou eu mesma resolver isso. Vamos conversar sério. Você vai aprender a se comportar!

Com um clique alto, ela desligou. Kirill lançou a Svetlana um olhar vitorioso: “Agora vamos ver quanto tempo você vai aguentar”. Ela simplesmente colocou o telefone na mesa. Estava pronta. Tudo estava só começando.

Quarenta minutos depois, a casa foi tomada por uma campainha estridente, insistente — como se quisessem arrombar a porta junto com a moldura. Kirill, que andava nervoso pela sala, correu para abrir. Svetlana ficou na poltrona, embora tremesse por dentro. Mas sua determinação era de ferro — não mostraria fraqueza.

— Mãe! Finalmente! Você nem imagina o que aconteceu aqui! — gritou Kirill já do hall, cheio de indignação e justa revolta.

Anna Lvovna entrou na sala como um furacão. Bochechas vermelhas, olhos faiscantes, lenço escorregando do ombro. Tudo nela mostrava disposição para brigar.

— Chega aqui, menina! — atacou Svetlana, que calmamente se levantou para enfrentá-la. — O que você pensa que está fazendo? Como pode mandar no meu filho? Como ousa falar assim comigo?

— Olá, Anna Lvovna — respondeu Svetlana mantendo a cortesia, o que só deixou a sogra ainda mais irritada — Fico feliz que tenha vindo. Agora podemos conversar calmamente, sem mal-entendidos.

— Conversar?! — gritou a sogra — Não tenho nada para conversar com uma mulher que trata mal a mãe do marido! Nós te acolhemos na família, e você é uma cobra! E onde estava Kirill quando você dizia essas coisas?

— Ele estava do lado, mãe! — defendeu a mãe o filho — Diz que deve lavar as janelas sozinho! Que ela não é obrigada! Consegue imaginar?

— Eu não disse só “essas coisas”, Kirill — corrigiu Svetlana calmamente — Eu disse a verdade. Você é filho dessa mulher. Então, é seu dever cuidar dela. E se acha que sua esposa deve fazer isso por você, ou você é preguiçoso ou nem é homem de verdade.

— Como você se atreve?! — arfou Anna Lvovna — Meu filho trabalha! Está exausto! E você fica em casa, sem fazer nada!

— Eu também trabalho, Anna Lvovna — a voz de Svetlana ficou mais firme — e ganho pelo menos o mesmo que seu filho. Minha casa não é lugar para serviços gratuitos da sua família. Vocês criaram um homem que não sabe decidir sozinho. E eu estou cansada de fazer parte desse teatro onde sou a eterna assistente e bode expiatório.

Suas palavras foram como tapas. Kirill gaguejou, sem saber o que dizer. Sua mãe tremia de raiva.

— Dei minha vida a ele! Não dormi noites! E você chega pronta para tudo e ainda me julga?!

— Justamente porque vocês deram tudo a ele, ele continua criança dependente — não deu chance a ela Svetlana — Já devia ser independente há muito tempo. Mas vocês preferiram mantê-lo na coleira curta. Eu não serei mais parte desse sistema familiar.

Kirill explodiu:

— Cale a boca! — gritou dando um passo à frente — Você ultrapassou todos os limites! Minha mãe é uma santa! E se não gosta, pode sair! Eu escolho minha mãe! Ela é única, e existem muitas como você!

Essas palavras foram o golpe final. Svetlana lançou um olhar longo e frio.

— Tudo bem, Kirill — disse baixo, mas firme — você fez sua escolha. Agora sei o que você vale. Não quero nada com você nem com sua mãe. Faça as malas. Ou podem ir direto para a casa dela. Não me importa. Esse pesadelo acabou.

Ela se virou, deixando claro que a conversa terminou. Atrás dela continuavam os gritos histéricos da mãe e do filho. Mas Svetlana não ouvia mais. Olhava pela janela onde começava um novo dia. Um enorme peso caiu de seus ombros. À frente, a incerteza. Mas havia liberdade. E atrás ficaram duas pessoas que perderam não apenas a nora ou esposa — perderam a chance de uma vida normal, presos para sempre em sua união tóxica.

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