Toda semana, um velho escrevia uma carta da casa de repouso até saber que o destinatário fazia parte da minha própria História-História do dia

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O Velho Homem e as Cartas de Sábado

O velho nunca recebia visitas no asilo. Tinha apenas um hábito: enviar cartas todos os sábados. Um dia, quebrei as regras e li uma. Ela me levou até uma mulher que — no fim das contas — não era uma estranha.

Trabalhava num lar de idosos há cinco anos. Amava meu trabalho, de verdade. Havia algo de especial em ajudar pessoas idosas.

Jogávamos xadrez, cantávamos músicas da juventude deles e, às vezes, fazíamos pequenos piqueniques no jardim, com cobertores antigos e copos de plástico cheios de limonada.

Entre os residentes havia um homem em particular, conhecido apenas como Eliot. Só Eliot. Nunca mencionava o sobrenome — ele detestava isso.

“Adicione ‘senhor’ mais uma vez e vou começar a te cobrar aluguel por sílaba.”

Viramos amigos quase imediatamente. Eliot tinha a língua afiada, sempre pronto com uma tirada.

“Meias azuis hoje, Jane? Isso dá azar.”

E quando eu me virava para sair, ouvia-o murmurar:

“Se não fosse por você, este lugar seria insuportável.”

Ninguém o visitava. Nunca. Perguntei uma vez, talvez duas… bem, talvez uma dúzia de vezes ao longo dos anos:

“Eliot, você não tem família nenhuma?”
“Nenhuma. Nunca tive. Só eu.”
“E amigos?”
Ele riu, aquele riso amargo.
“Ah, querida… os amigos desaparecem, um por um, a cada ano. E quando você se torna um incômodo, somem todos de uma vez.”

Mas o que mais me intrigava nele eram as cartas.

Todo sábado, pontualmente às nove, ele se sentava à escrivaninha e escrevia devagar, em silêncio, como se estivesse rezando. Depois selava o envelope, escrevia algo na frente e o deixava sobre o parapeito da janela.

“Lembre-me da caixa de correio mais tarde, Jane. Tenho que deixá-la eu mesmo. Pessoalmente.”
“Posso enviar para você, sabia?”
“Isso é importante. Por favor, não pergunte de novo.”

Então eu não perguntei mais.
Mas… sou mulher. E a curiosidade mora em meus ossos.
A caixa de correio dele permanecia dolorosamente vazia, semana após semana.
E uma manhã, simplesmente não consegui me conter.

Quando Eliot saiu do quarto e a carta ficou sozinha no parapeito, troquei-a por um envelope idêntico. Minhas mãos tremiam. Mas fiz.

Pela primeira vez em dois anos, finalmente soube o nome e o endereço:

“Para E.H. — Sempre sua amiga, Eliot.”

E.H.? Esse nome… soava familiar.

O endereço era de uma pequena cidade, a cerca de uma hora e meia dali.
Naquele instante, soube que precisava ir.
Talvez encontrasse alguém que ainda se lembrasse dele.
Alguém que, enfim, respondesse.

Passei a manhã inteira com aquela carta queimando um buraco no meu bolso.
Não conseguia me concentrar em nada.
Então, quando o fim de semana chegou, enfiei a carta na bolsa e saí de fininho, como uma adolescente escapando do toque de recolher.

Dirigi com as janelas abertas, deixando o vento bagunçar meu cabelo.
Aquele endereço… devo tê-lo lido uma dúzia de vezes em cada semáforo.

“Por que esse nome de rua me soa como um déjà vu com dor de cabeça?”

Quando finalmente parei diante da casa, meu coração batia como se eu fosse confessar um crime.
Um homem mais velho abriu a porta.

“Posso ajudar?”
“Oi… Desculpe incomodar. É que… isso é meio estranho…”
Ele arqueou a sobrancelha e deu uma risada curta.
“Estranho, é? Bom, sorte sua. Coisas estranhas são a minha especialidade.”

“Eu trabalho num asilo e um dos nossos residentes vem mandando cartas pra este endereço há anos. Eu só…”

Ele franziu o cenho, virou-se e gritou:

“Marlene! Você precisa ouvir isso!”

Uma mulher apareceu atrás dele, com uma tigela de massa de biscoito nas mãos. Entreguei o envelope.
Ele olhou, depois deu um passo para o lado.

“Entre. Acho melhor você se sentar.”

Explicaram que a casa havia pertencido a outra pessoa, décadas atrás — uma mulher que a vendera aos pais deles.

“Sempre achei que fosse propaganda. Mas guardamos as escritas à mão.”

A mulher sumiu pelo corredor e voltou com uma caixa de sapatos.
Dentro, dezenas de envelopes.

“Não consegui jogar fora. Pareciam… importantes.”

Não sei o que esperava, mas ver todas aquelas cartas me apertou a garganta.

Agradeci e saí para a luz suave da tarde.
Algo naquele lugar me puxava.
Então passei por uma placa velha e enferrujada à beira da estrada:

“Luna Park — Fechado.”

E de repente, congelei.
Estava numa das minhas fotos de bebê.
Tinha certeza.

Mas como?

Eu precisava ver aquelas fotos antigas! As que minha mãe guardava trancadas no armário.
Dei meia-volta. Era hora de descobrir o que mais eu não sabia.

Não visitava a casa da minha mãe havia meses.
Ela morava num bangalô aconchegante, duas cidades adiante.
Mal girei a chave na fechadura e já ouvi sua voz vindo da cozinha:

“Você chegou cedo. Só aparece assim quando o coração tá partido.”
“Nem isso. Mas você tinha razão. Preciso de algo.”
“Devo me preocupar?”
“Só se estiver escondendo alguma coisa.”

Ela me lançou aquele olhar — o clássico olhar de mãe, afiado como bisturi.
Segui-a até a cozinha.

“Lembra daqueles álbuns de bebê que você guarda como se fossem tesouros nacionais?”
“Os que você tenta enfiar na bolsa quando acha que não estou vendo? Sim.”
“Mãe, não começa.”
“Pode ver, mas aqui.”
“Tudo bem. Só… me deixa ver, por favor.”

Ela abriu o armário do corredor e puxou uma caixa empoeirada: “Emily – 1990–1995.”
Sentei no chão como uma criança, folheando página por página.

E lá estava.

Uma foto minha — um bebê rechonchudo num carrossel.
E atrás de mim, nítida: a placa “Luna Park.”
Minhas mãos tremiam.

“Mãe… onde isso foi tirado?”

Ela olhou de relance, distraída. Mas logo seu rosto mudou.

“Ah… deve ter sido antes de nos mudarmos.”
“Mudamos de onde?”
“De outra cidade. Você era só um bebê. Ficamos pouco tempo.”

Olhei novamente para a foto.
Então tirei o envelope da bolsa — o mesmo, endereçado a E.H.

“Encontrei essas cartas. Dezenas delas. Naquela mesma casa. A que está na foto. Olha.”

Minha mãe não disse nada.

“Mãe… as iniciais. E.H. É você, não é? Emily H****r. Bate certinho.”
“Muita gente tem essas iniciais. Não dramatize.”
“Você conheceu o Eliot, não foi?”
“Chega.”
“Só me diga a verdade. Quem ele era?”

Ela virou-se para a pia e bateu a colher com força.

“Deixa isso pra lá.”
“Não posso. Vi o jeito que olhou pra foto. Você lembra de tudo e está escondendo.”

Ela segurou firme o balcão. Os ombros tensos.

“Eu era jovem. Foi complicado. Aquele homem… ele…”

Virou-se, o rosto vermelho.

“Ele foi embora! Sumiu sem dizer nada. Esperei por meses. Estava grávida e sozinha. O que eu devia fazer?!”

Olhei para ela, sussurrando:

“Eliot… é meu pai?”

Sua mandíbula se contraiu. Por um segundo, ela nem respirou.

“Você me disse que ele tinha morrido!”
“Eu menti! Que tipo de mãe diz à filha que o pai a abandonou e sumiu?!”
“Mas mãe, eu tinha o direito de saber…”
“Ah, tinha? Eu te criei sozinha! Trabalhei em dobro, limpei tuas lágrimas, comemorei cada aniversário! Então sim, eu decidi quais direitos você tinha!”
“Ele está velho agora. Sozinho. Acha que não tem família…”
“Problema dele!”
“Mas você não sabe por que ele foi embora! E convenhamos, você também não é fácil.”
“Droga, Emily! Chega! Pega as fotos e sai antes que eu diga algo de que me arrependa.”
“Ele te escreveu dezenas de cartas! Você precisa falar com ele. Viveu sozinha a vida toda por um motivo, não é?”
“FORA!”
“Mas mãe…”
“Queria um pai? Parabéns. Encontrou. Mas não me meta nessa história.”

Ela saiu.
A porta do quarto bateu tão forte que as molduras tremeram nas paredes.
Fiquei ali, segurando a foto nas mãos.
Até o dia anterior, Eliot era apenas o velho solitário a quem eu servia chá.
Agora, era o homem que abandonara uma mulher grávida.

Fosse o que fosse, eu precisava saber a verdade.
Mas o que eu diria?
Será que ele sabia… que tinha uma filha?

As respostas deviam estar nas cartas.
Mas elas eram para minha mãe, não para mim.

Então deixei-as sobre a mesa.
E fui embora.

Entrei no asilo como sempre: crachá preso, cabelo preso, tênis rangendo no piso.
A rotina tornava tudo mais suportável. Até aquilo.

Eliot estava sentado em sua cadeira habitual, cutucando um biscoito velho como se ele o tivesse ofendido.

Bati de leve na porta e sorri.

“Você tem uma visita hoje, Eliot.”
“Uma visita? O que é, meu agente da condicional? Ou alguém finalmente achou minha fortuna perdida?”
“Nada disso. Uma visita de verdade. Já volto.”
“Espero que tragam biscoitos de verdade, não essa porcaria.”

No vestiário, tirei o uniforme e vesti um vestido leve.
Quando entrei novamente, Eliot nem levantou os olhos.

“Demorou. E que é esse vestido? Pensa que é baile de formatura?”

Sentei à frente dele. Seus olhos se ergueram e, enfim, encontraram os meus.

“Sou eu, Eliot. Sou a visitante.”

Ele se recostou, desconfiado.

“O que é isso? Uma intervenção? É por causa do chocolate que escondo debaixo da cama?”

Quase sorri.

“Não. É sobre as cartas. As que você escreve todo sábado. Eu… li uma.”

“Você o quê?!”
“Eu sei que não tinha direito. Mas encontrei a mulher — E.H. A quem você escrevia.”
“Isso não é da sua conta! Não se mexe no que não te pertence! Isso é…”
“Eu sei. E sinto muito. Mas achei que talvez encontrasse alguém que ainda se importasse com você.”
“Pois bem, achou. Minha querida Emily. Parabéns. E agora? Vai me arrastar até ela pra me ignorar pessoalmente?”
“Ela nunca recebeu. A casa foi vendida. As cartas chegaram depois que ela se mudou. Algumas nem chegaram. Aquela mulher… é minha mãe.”

“E você…”
“Sou sua filha.”

Eliot inclinou-se, as mãos trêmulas.

“Você é minha…”
“E ela disse que VOCÊ foi embora. Que desapareceu.”
“Fui chamado para servir. Escrevi todas as semanas. Quando voltei, ela tinha sumido. Sem bilhete, sem rastro. Nada.”
“As cartas mais antigas — não estão na caixa.”

Ele olhou para as próprias mãos e depois para mim.

“Você se parece com ela.”

E, antes que eu pudesse responder, a porta rangeu.
Ambos nos viramos.
Minha mãe estava parada ali, os olhos marejados.

“Eu não ia vir. Mas li suas cartas.”
Eliot se levantou — mais devagar do que antes.
“Esperei por você.”
“Agora eu sei.”

Fiquei parada, apenas observando.
Mamãe. Papai.

Minha voz saiu trêmula:

“Podemos… finalmente nos abraçar?”

Ficamos ali por muito tempo, abraçados, com as cabeças repousadas em ombros trêmulos.
Ninguém falou nada. Choramos em silêncio.
Trinta anos escorreram pelos nossos dedos.

Mas, finalmente… tínhamos todo o tempo do mundo.

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