A imagem na parede

Entretenimentos

Assim que entrei no apartamento, o familiar cheiro de lavanda e café fresco me envolveu. Era como voltar no tempo. Cada detalhe do lugar — os livros empilhados, o tapete antigo, as cortinas azul-pálido — parecia um suave eco da vida que compartilhamos.

Mas então eu a vi.

Na parede da sala, acima do pequeno sofá de veludo, havia uma fotografia emoldurada. E o que vi nela fez meu corpo congelar.

Era uma criança. Um menino de olhos castanhos, cabelos escuros e um sorriso doce. Tinha talvez quatro anos. E estava nos braços de Althea, que sorria para a câmera com o mesmo brilho nos olhos que eu não via há mais de cinco anos.

Mas o que me tirou o fôlego não foi a própria foto. Era o detalhe sutil e devastador: aquele menino… tinha meu sorriso.

“Quem é ele?” perguntei, sentindo a garganta se fechar.

Althea desviou o olhar, respirando fundo.

“É Daniel.”

“Seu filho?” —

Ela assentiu, incapaz de me encarar.

Um turbilhão de pensamentos me atingiu como uma onda. O que era aquilo? Ela era infértil. Lembrei-me de cada consulta, cada exame, cada lágrima. Lembrei das noites em que a segurava, tentando apagar sua dor.

“Mas… os médicos… disseram que…”

“Eu sei o que eles disseram,” interrompeu, com a voz baixa e trêmula. “E estavam certos. Eu não podia ter filhos.”

Fiquei em silêncio. Então, quem era aquela criança?

Ela se virou para mim, com lágrimas escorrendo pelo rosto.
“Eu o adotei.”

As palavras pairaram no ar.

“Depois que nos separamos,” continuou, “entrei em um programa de adoção. Pensei que nunca teria coragem de amar alguém novamente. Mas um dia, quando fui visitar um abrigo em Tlaquepaque, vi este menino sentado em um canto, desenhando com um lápis quebrado. Ele me olhou… e eu vi algo ali.” Uma solidão que eu conhecia.

Althea sorriu entre as lágrimas.

“Ele também havia sido abandonado. Perdera os pais em um acidente. Eu o abracei, e foi como se algo dentro de mim despertasse novamente.”

Ela abaixou os olhos.

“O nome dele era Daniel. Não o mudei. Ele já era Daniel. E, ironicamente… era o nome que você queria dar ao nosso filho, lembra?”

Senti o chão desaparecer sob meus pés. Lembrei das noites em que falávamos sobre filhos, sobre nomes, sobre o futuro que nunca veio. Daniel. O nome que permaneceu entre nós como um sonho inacabado.

Fitei a foto, sem saber o que dizer. A criança sorria inocentemente, alheia ao peso daquela história.

“Ele se parece comigo,” murmurei, quase sem perceber.

Ela respirou fundo.

“Eu sei. É por isso que demorei tanto para te contar. Porque toda vez que eu o via sorrir, via um pouco de você também.”

A chuva lá fora batia forte nas janelas, como se o céu também estivesse chorando.

“Por que você nunca me contou?” perguntei, tentando controlar a voz trêmula.

“Porque pensei que não tinha o direito de te machucar de novo,” respondeu. “Eu sabia que você queria ser pai, mas não comigo. E quando finalmente consegui adotar, achei que você já tivesse seguido em frente.”

Ela passou a mão pelo cabelo, exausta.

“Vivi com culpa por anos. Achei que estava te libertando do fardo de uma mulher ‘imperfeita’, mas no fim… fui eu quem carregou a dor.”

Fiquei sem palavras. Tudo o que sentia — raiva, compaixão, tristeza — estava misturado em um nó impossível de desfazer.

“Eu nunca quis me livrar de você,” disse finalmente. “Só queria te ver feliz. Mas acho que nunca entendi o quanto você sofria por dentro.”

Ela me olhou surpresa, e então, pela primeira vez em muitos anos, nossos olhos se encontraram sem rancor.

“Ele está dormindo,” disse suavemente. “Quer vê-lo?”

Assenti.

Seguimos para o pequeno quarto no fim do corredor. As paredes estavam cobertas de desenhos coloridos: casas, árvores e a figura de uma mulher e um homem de mãos dadas com um menino no meio.

“Ele disse que somos nós,” sussurrou Althea. “Eu e minha mamãe e o anjo com quem ela sonha.”

Senti um arrepio percorrer meu corpo. O menino dormia pacificamente, abraçando um ursinho de pelúcia. Aproximei-me lentamente e, sem pensar, toquei levemente seus cabelos.

“Ele é lindo,” murmurei.

Althea assentiu, os olhos marejados.

“É o melhor presente que a vida já me deu.”

Ficamos ali por um tempo, em silêncio, observando aquele pequeno milagre respirar pacificamente. E naquele momento, percebi algo que nunca havia entendido: o verdadeiro amor não é sobre o que o destino nos tira, mas sobre o que ainda somos capazes de dar, mesmo depois de perder tudo.

Naquela noite, antes de sair, Althea me acompanhou até a porta. A chuva havia parado, e o ar cheirava a terra molhada.

“Obrigada por me deixar entrar,” disse.

Ela sorriu.

“Talvez fosse destino que você estivesse aqui hoje. Pensei muito em você, sabe? Às vezes Daniel me perguntava por que não tinha um pai. Eu dizia que seu pai vivia no céu… mas a verdade é que o céu sempre teve seu rosto.”

Meu coração afundou.

“Se quiser, posso visitá-lo de vez em quando.”

Ela hesitou por um momento, mas depois assentiu.
“Acho que ele vai gostar disso.”

Nos despedimos com um longo abraço silencioso. E pela primeira vez em muito tempo, senti que o passado não era mais uma ferida aberta, mas uma cicatriz que eu podia tocar sem dor.

Os meses seguintes trouxeram uma nova rotina. Eu visitava Daniel nos finais de semana. Jogávamos bola, construíamos modelos com caixas de papelão, e ele me chamava de “Tio Andrés.”

Althea observava de longe, sempre com aquele sorriso terno. Às vezes ficávamos acordados conversando, lembrando do passado, rindo das bobagens da juventude. A amizade, que antes foi amor, renasceu de uma forma nova — serena, madura, bonita.

Um dia, enquanto ajudava Daniel a construir um castelo com blocos, ele me perguntou:

“Tio, por que você e a mamãe não moram juntos?”

Fiquei sem palavras. Althea, que estava na cozinha, também permaneceu parada.

“Porque…” comecei lentamente, “às vezes pessoas que se amam precisam morar em casas diferentes para aprender a se entender novamente.”

Ele franziu a testa pensativo, e então disse algo que me desarmou:
“Então aprendam rápido, para que possam ficar juntos.”

Olhei para Althea. Ela sorriu, com lágrimas nos olhos.

O tempo passou. Daniel cresceu, e eu me tornei parte inseparável de sua vida. As visitas se tornaram jantares, os jantares se tornaram pequenas viagens, e sem perceber, éramos novamente uma família — imperfeita, mas real.

Num domingo, durante um piquenique no Metropolitan Park, Daniel correu para pegar flores. Quando voltou, deu uma para mim e outra para sua mãe.
“Agora vocês têm que se casar de novo,” disse rindo.

Althea também riu, mas havia algo diferente em seus olhos — um brilho doce e antigo, o mesmo de quando éramos jovens.

Naquela noite, ao deixarmos Daniel para dormir, ela me chamou para o alpendre. O vento era leve e o céu estava claro.
“Sabe…” disse, “às vezes penso que Deus nunca quis que tivéssemos um filho biológico. Ele quis que tivéssemos Daniel. Ele só estava esperando que nos reencontrássemos.”

Olhei para ela, e pela primeira vez em anos, tudo fez sentido.

“Eu acho que o destino só estava esperando o momento certo,” respondi.

Ela sorriu, e então, sem palavras, nos abraçamos. O tempo parou. O passado, com toda a sua dor, parecia finalmente encontrar paz no presente.

Cinco anos depois daquela noite chuvosa, a foto na parede havia mudado. Agora havia três rostos nela: o dela, o meu e o de Daniel, sorrindo com o mesmo brilho de antes — só que desta vez, sem ausências, sem culpa, sem segredos.

E toda vez que olho para aquela foto, lembro do que aprendi tarde demais: o verdadeiro amor não precisa ser perfeito para durar; ele só precisa ser sincero o suficiente para recomeçar.

Porque às vezes, o erro mais profundo que cometemos não é perder quem amamos — é pensar que o amor acabou, quando ele estava apenas esperando uma nova razão para existir.

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